terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Um oásis para poucos

                                   Não somos intocáveis.
      

Tentáculos: a falta de uma regulação possibilitou
 o surgimento de "Impérios da mídia" no Brasil.
       A eleição, mesmo que indireta, de um presidente civil, em 1985, e a proclamação, em 1988, de uma Constituição democrática e vigente até hoje determinaram o início da redemocratização da sociedade brasileira após mais de duas décadas em que o país viveu sob regime de exceção. Dentre as principais mudanças proporcionadas pelo fim da Ditadura Militar está uma maior liberdade à atuação da imprensa, livre definitivamente de censuras institucionalizadas pelo Estado. No entanto, o fato de a mídia brasileira estar, principalmente na radiodifusão, concentrada nas mãos de poucos e atrelada a interesses econômicos constitui um entrave à universalização da informação e à democratização da sociedade por completo.
       O último relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a indústria da comunicação no Brasil, com dados de 2011, aponta uma movimentação de aproximadamente R$ 120 bilhões brutos na economia por esse setor naquele ano. A comunicação é um dos ramos mais concentrados do mercado brasileiro e essa constatação não é exclusiva do país, mas de qualquer outro cuja regulação sobre o tema também seja caracterizada como “branda” e “permissiva” por defensores de uma mídia "mais aberta à diversidade de costumes e ideias e à produção independente e regional".
       A Constituição nacional dedica um capítulo exclusivo, o quinto, à Comunicação Social. O parágrafo 5º do Artigo 220 destaca que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Por outro lado, questões que vão desde as regras de controle sobre ações societárias, fusões até a definição de percentuais de conteúdos regionais e de produção independente na grade de programação das emissoras de radiodifusão, por exemplo, não são rigidamente fiscalizadas, sendo necessária a elaboração de uma regulamentação específica e proposta pela própria Constituição no parágrafo 3º do artigo 222.
       Geograficamente, a concentração de mídia adquire uma de suas faces mais visíveis. No estudo pioneiro desenvolvido a partir de 2002 pelo site 'Donos da Mídia', foi constatada, no sudeste, a presença de uma parcela (20,65%) dos veículos afiliados às grandes empresas de comunicação atuando em uma região cuja riqueza gerada alcança a marca de 54% do Produto Interno Bruto e cujo potencial de consumo de sua população é o maior do país (49%) (Fonte: IBGE/PNAD-2014 e IPC-maps 2015).
       No entanto, segundo o mesmo estudo, 60% dos veículos filiados, que atuam nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, disputam um mercado consumidor menos dinâmico, responsável por gerar apenas 28,7% do PIB e cujo potencial de consumo alcança 33,4%, no somatório dos indicadores de cada uma das regiões.
       Existem exceções a esse cenário, e as explicações estão atreladas à influência de “caciques políticos”. No Maranhão, estado cuja contribuição para o PIB é de apenas 1,3% e reduto da família Sarney, 43 veículos são filiados a grandes redes nacionais; quatro destes são de propriedade de Roseana Sarney, filha do ex-presidente da República José Sarney. A situação se repete em outras regiões do Nordeste, como na Bahia e em Alagoas, onde as famílias Magalhães e Collor, respectivamente, mostram sua força política local e nacionalmente. Minas Gerais, por sua vez, lidera o ranking de quantidade de políticos envolvidos em atividades societárias na comunicação (38).
       Esse é um indício da sobreposição da lógica política à econômica: em um contexto em que é inviável a sobrevivência de tantas emissoras e publicações de comunicação sem uma demanda correspondente, verbas públicas são alvos de desvios com o intuito de manter o “coronelismo” e uma rede de interesses com base nos meios eletrônicos, o que desvirtua os princípios éticos do jornalismo.
       A sociedade civil, por meio de organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, busca agendar, no debate público, o tema da regulação sobre a mídia brasileira. Para isso, o FNDC se inspira em uma legislação semelhante e em vigor na Argentina há 2 anos, a 'Lei dos Meios', e no 'Marco Civil da Internet', pioneiro no mundo, aprovado pelo Congresso Brasileiro no 1º semestre de 2014 e que estabeleceu um conjunto de regras a serem seguidas por usuários, empresas e provedores na grande rede de computadores através de princípios como o da “neutralidade de conteúdo e acessibilidade". Há avanços na América Latina em relação a essa questão, com vários países tendo aprovado, nos últimos anos, leis para meios de comunicação públicos, comunitários e alternativos, mas a busca por garantias financeiras para a sobrevivência de vozes dissonantes da lógica do mercado se transforma em uma guerra invisível nos noticiários.
       O ponto-chave neste debate é a desmistificação do argumento segundo o qual qualquer regulamentação sobre a organização empresarial dos conglomerados de mídia configura-se, de imediato, em censura institucionalizada. O Estado brasileiro tem a prerrogativa constitucional de conceder autorização para o funcionamento de rádios e canais de TV aberta, ou seja, a palavra final sobre a atuação da mídia no país é legalmente oriunda do poder público. Por conta da falta de fiscalização e de punição sobre contratos indevidamente firmados nos negócios de mídia, impérios formaram-se, nos quais Record, Band e, sobretudo, Globo possuem vários sites, canais, rádios, jornais e revistas líderes em acessos, audiência e tiragem.
       Em um país cuja cultura é tão vasta, não é saudável intelectualmente para a população assistir a novelas que, na maioria dos casos, retratam uma realidade socioeconômica de apenas uma região - a sudeste - e também a telejornais cujos princípios editoriais estão alinhados a uma perspectiva política e econômica voltada prioritariamente para a manutenção de um pequeno segmento social em seu status de privilégio e influência. Apesar de sermos brasileiros, não conhecemos plenamente o Brasil, e a mídia tem a sua parcela de responsabilidade. O que é noticiado pode até ser verdade, mas, tenha certeza, não é o ponto final em fatos e histórias que podem ter muitas versões coerentes não divulgadas.
        Aproveito a oportunidade para fazer essa análise independente enquanto não integro a equipe de um grande veículo de comunicação. Espero estar enganado, mas, quando isso acontecer, provavelmente serei silenciado algumas vezes. Nada mais paradoxal do que a grande mídia, uma "ferrenha defensora da liberdade de expressão e da transparência", determinar quais assuntos e opiniões podem ir para o ar ou para as páginas. Talvez essa "censura", cada vez mais percebida pelo público, seja um dos fatores cruciais para a desvalorização da carreira de jornalista atualmente. O jornalismo envolve a reputação de pessoas, empresas e instituições, e a sua abrangência, possibilitada pela globalização, impõe uma missão imensa a quem está envolvido com a profissão. O prestígio e a credibilidade conquistadas pela imprensa não a deixa acima da fiscalização, da crítica e da lei.



                                                               Mattheus Reis