sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Time 6 estrelas

                                              Na conta do 'professor'.



Jogadores e o técnico Tite do Corinthians comemoram título do Brasileirão 2015 após a partida entre Vasco RJ e Corinthians SP válida pela Série A do Campeonato Brasileiro 2015 no Estádio São Januário no Rio de Janeiro (RJ), nesta quinta-feira (19)
 "Obrigado, 'professor'": abraçado pelo meia
 Lucca, Tite encerra 2015 comemorando
mais um título importante na sua carreira.
       Muitos não acreditam em numerologia, mas o "6" está presente de forma marcante neste fim de temporada glorioso para o campeão brasileiro de 2015. Mesmo empatando no Rio de Janeiro, ontem, contra o desesperado, mas valente, Vasco da Gama, a vitória do São Paulo contra o vice-líder Atlético-MG garantiu o hexacampeonato nacional ao Corinthians. Cássio, Gil, Elias, Jadson, Renato Augusto e Vagner Love transformaram-se, ao longo do ano, em 6 nomes decisivos dentro de campo para a conquista. No entanto, a estrela de maior brilho relutava em não querer assumir seu protagonismo: o 6° título de Tite à frente da equipe paulista só vem a confirmar a opinião daqueles que o apontam como o melhor treinador do país. 
       O hexa será ainda mais valorizado pelo torcedor caso o início de 2015, marcado pela crise financeira no clube e por duros golpes como a eliminação precoce da Libertadores da América, seja lembrado. Sem dinheiro, sobretudo por conta dos gastos exorbitantes com a construção da Arena de Itaquera, o Corinthians precisou arrecadar mais, e, para isso, se desfez de importantes jogadores, dentre eles Paolo Guerrero e Emerson Sheik.
       Se não fosse o apoio incondicional do torcedor, que, às vezes, beira a loucura, o rombo nos cofres seria ainda maior. Com a maior média de público do ano, até agora, o estádio construído para a Copa do Mundo de 2014 é, atualmente, um alçapão letal para os adversários. Na primeira temporada completa jogando na sua nova casa, o Corinthians obteve o melhor aproveitamento de um mandante na era dos pontos corridos no Brasileirão: 89,6% dos pontos disputados foram conquistados no bairro mais corintiano da cidade de São Paulo. Por lá foram realizadas 16 partidas, com 14 vitórias, 1 empate e 1 derrota. Nada mais verdadeiro dizer que "caiu em Itaquera, já era", "caiu em Itaquera, é hexa".
       Esses números foram alcançados em grande parte porque o Corinthians tinha o cara certo para driblar os problemas, pelo menos dentro das quatro linhas. Apesar das dificuldades causadas pela perda de importantes jogadores no meio do ano, Tite soube explorar ao máximo as características particulares de cada jogador do elenco, remontou um time entrosado e, como consequência de sua inteligência tática, foi o responsável pelo renascimento de Jadson, Renato Augusto e Vagner Love, atletas de habilidade reconhecida, mas que, por conta de lesões e falta de entrosamento e de confiança, não jogavam um futebol de alto nível há bastante tempo.
       Diferentemente da sua passagem anterior e também vitoriosa pelo Corinthians, entre 2010 e 2013, quando montou uma equipe muito mais eficiente do que encantadora em campo, Tite priorizou, dessa vez, um time rápido e criativo ofensivamente, sem se descuidar da parte defensiva. Os números, neste caso, comprovam o equilíbrio: o hexacampeão brasileiro tem a zaga menos vazada ( 27 gols sofridos) e o ataque mais goleador ( 64 gols marcados) do campeonato.
       Com esse atual estilo de jogo adotado, o técnico gaúcho deixa seus jogadores atualizados em relação às novas tendências táticas do futebol praticado nos principais torneios do mundo, e as recentes convocações de Cássio, Elias e Renato Augusto para a seleção principal e a do jovem Malcom para a seleção olímpica são difíceis de serem contestadas.
         A base do Corinthians pode ter um papel importante na difícil tarefa da seleção brasileira de se classificar para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia. Para alguns, entretanto, é preciso ir além e mudar o comando técnico. Tite seria a aposta de muitos. Embora a desconfiança sobre Dunga seja justificável, a pressão por sua demissão pela imprensa ou pelos torcedores mais atrapalha do que ajuda na retomada do futebol brasileiro aos seus tempos de prestígio no planeta "Bola". Não se pode negar, porém, que o técnico mais vitorioso do futebol brasileiro nesta década está merecendo essa oportunidade mesmo que ela não chegue agora.

Leia mais sobre o hexacampeonato nacional do Corinthians:
http://m.trivela.uol.com.br/tite-superou-as-tempestades-e-fez-do-corinthians-um-campeao-brasileiro-ofensivo/


                                                           Mattheus Reis     













segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Existe uma saída?

                O pesadelo do terror retorna a Paris.


Preces: parisienses fazem uma corrente de oração
em um dos alvos de ataques na última sexta-feira.
       Onze meses depois do atentado contra a sede do jornal satírico Charlie Hebdo, Paris revive dolorosamente o pesadelo causado pelo terror. Uma série de ataques coordenados em pelo menos 6 áreas da capital francesa deixou uma centena de mortos. O Estado Islâmico, que reivindicou a autoria das ações bárbaras de sexta-feira passada, é também o responsável por elevar o nível de organização, influência e crueldade do terrorismo contemporâneo, o que exige, por sua vez, estratégias mais eficazes de desestabilização do grupo. Quem pensa, porém, que mais tiros são sinônimos de maior paz no mundo está enganado.
       EUA, França e nações árabes como a Arábia Saudita se articularam, no início de 2015, em torno de uma ofensiva aérea para destruir instalações e bases de treinamento do Estado Islâmico na Síria, uma estratégia bem conhecida, utilizada em outros confrontos, e duvidosa. Barack Obama afirmou, na última semana, que o EI perdera força, não avançando territorialmente. O ataque a Paris foi, entretanto, um indício de uma comemoração antecipada e equivocada do presidente americano.
       Já passou pela sua cabeça questionar quantas pessoas inocentes morreram seja por mísseis disparados de drones ou por incursões militares terrestres neste barril de pólvora chamado Oriente Médio? Extremistas costumam se fixar em locais densamente povoados, e, neste cenário marcado pela influência radical posta em prática por uma minoria muçulmana que distorce a religião, uma criança que testemunha sua família, de bem, sendo equivocadamente dizimada por uma bomba pode ter sua vida transformada para o mal. Está aí uma das formais de nascimento de um terrorista; é tudo que a jihad quer. Em escala quase industrial, a reposição de "mártires" acontece.
       O combate é necessário. No entanto, precisa ser executado de maneira mais inteligente para reduzir os danos ao máximo. Em tempos de globalização, o Estado Islâmico é o que melhor soube aproveitar ferramentas massivamente exploradas pela cultura ocidental na divulgação de valores, como a liberdade e o consumo: a mídia. Uma "arma" que, agora, é usada contra os seus próprios inventores. Com a internet, a retórica do terror se tornou mais ampla e atraiu jovens, a maioria deles imigrantes árabes ou de descendência árabe, cuja situação socioeconômica na Europa é caracterizada pela marginalização e pelo preconceito. O controle a esse tipo de conteúdo é muito pequeno e permissivo na grande rede de computadores.
       Mais crucial ainda do que uma vigilância maior sobre a internet e outros meios de comunicação pelos serviços de inteligência mundiais é uma transição política que traga estabilidade real à Síria, onde o Estado Islâmico fincou raízes em meio ao caos e se aproveitando do vazio de poder local.
       Desde 2011, quando a Primavera Árabe trouxe ares de esperança que não se confirmaram totalmente, o presidente sírio Bashar al-Assad, acusado de ter cometido inúmeras violações aos direitos humanos, não consegue e não quer controlar o país, retalhado por milícias pró e contra a sua deposição e por organizações fundamentalistas islâmicas. As potências ocidentais ainda têm dúvidas se as sobras de relevância política de Assad ajudam ou atrapalham, e, enquanto isso, cada vez mais sírios são obrigados a se aventurarem em uma jornada de alto risco rumo a uma Europa que desmente as visões de civilidade tão atribuídas ao continente, cada vez mais intolerante com imigrantes pobres.
         Combater o terrorismo não deixa de ser uma façanha já que, quanto mais atacado, mais extremista ele se torna. Em certos momentos, esse ódio acumulado explode de forma desmedida, como é o caso do EI, cujas execuções brutais são condenadas até mesmo por outros grupos terroristas. O fato de Paris - berço da Revolução Francesa e dos princípios básicos da civilização ocidental - ser a metrópole mais atingida nos últimos 12 meses pelo terror não deixa de ser um claro sinal para pensarmos se tais valores, como liberdade, igualdade e fraternidade, estão sendo devidamente praticados no século XXI. Mesmo em um momento de comoção, não podem ser levadas adiante atitudes precipitadas e que possam causar mais derramamento de sangue.
      
      

*Não se esqueça também daqueles que passam por dificuldades causadas pelo mar de lama em Mariana (MG)! Devemos prestar solidariedade  ao próximo, sobretudo àqueles mais próximos de nós.


                                                             Mattheus Reis

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Favela: onde a exceção vira regra.

A jornalista Carla Rocha faz uma análise bem clara de um episódio que, por mais acidental que tenha acontecido, não poderia ficar impune. No texto a seguir, publicado no jornal "O Globo", em 7 de novembro, é abordada a morte do estudante Eduardo de Jesus, de 10 anos, em um confronto entre policiais e traficantes no complexo do Alemão. Boa leitura e boa reflexão.                                                         

                                                  Licença para matar

       Que falta de punição alimenta a impunidade, todo mundo repete desde que o mundo é mundo. Mas a injustiça é muito mais perversa, é uma facada no coração, é o câncer do tecido social. A injustiça gera um sentimento mais complexo e destruidor porque tem alcance coletivo, sai do âmbito particular para apodrecer o mundo. É coisa grave, devasta tudo, vai levando por onde passa do cocô do cachorro às instituições mais sólidas. O bizarro desfecho do inquérito policial sobre o caso de Eduardo de Jesus, de 10 anos, morto por PMs no Alemão, é uma bomba atômica com alto poder de destruição, que deveria preocupar até mais a própria polícia do que as ONGs de direitos humanos, porque ela, a polícia, tem muito, muito mais a perder.
       Vai ser a primeira vez que um auto de resistência atingiu a cabeça de um menino inocente na forma de uma bala de fuzil. O resumo da ópera é surreal. Eduardo morreu, sim, um PM atirou na cabeça dele, sim, mas ninguém matou, não. Ou melhor: matou, mas não matou com vontade, com gosto, para ser submetido à lei. Ou: matou, mas quem mandou o garoto estar ali em meio a um confronto entre PMs e traficantes? Ou: matou, mas vai ficar por isso, porque a vida é dura aqui nos trópicos, e o policial vai ali tratar o trauma, às nossas expensas, que agora pagamos para ele trucidar criancinhas, e logo estará de volta às ruas.
       Foi dada uma licença para matar. Já vi investigações que não deram em nada — estamos longe de ter um CSI. Mas nunca vi um crime constatado, com prova técnica, de repente, não ser um crime. Tem corpo, sabe-se de onde partiu o tiro, mas é como se Eduardo tivesse se autoaniquilado. Podemos aceitar então que ele foi vítima da desigualdade social. Terá sido o maior crime do capitalismo desde sua criação. Em última análise, foi o capitalismo que o matou, ao dividir a sociedade entre pobres e ricos. E os capitalistas podem empurrar a responsabilidade para a sorte, essa megera, que o matou ao jogá-lo no lado pobre da força. Se tivesse sido vítima no Leblon, o inquérito teria tomado outro rumo. Atire a primeira pedra quem duvida. E ninguém desejaria que isso acontecesse em qualquer canto da cidade, amamos todos eles, é bom pontuar.
       Não acho que o policial saiu de casa com sede de sangue, disposto a estourar a cabeça da primeira criança que passasse na sua frente. A bem da verdade, o que passava pela cabeça dele pouco importa, não estamos em busca de um demônio para queimar na fogueira da Inquisição. Mas, se um PM matou um cidadão, ainda que por imperícia, deve responder pelo crime que cometeu. Se vai ou não ser condenado e, se condenado, a quantos anos, não sabemos. Mas, ao menos, deveria ser levado a um tribunal, em que testemunhas seriam ouvidas, provas apresentadas e defesas ouvidas. E não a um divã para expiar sua culpa.
       O grande mal da injustiça é que ela vai quebrando resistências, ampliando limites — até que não os enxergamos mais — e transformando o inadmissível em algo tolerável, sob certas circunstâncias. Essa é uma defesa da criança que foi morta? Óbvio que é. Mas isso é o óbvio. E tão importante quanto o fato de que outras vidas estão e estarão em jogo, a prevalecer essa lógica da “legítima defesa” como salvo-conduto para matar gente inocente. É uma defesa, menos óbvia, da polícia-cidadã, que tem que sair do imaginário carioca, das rodas acadêmicas e do discurso da autoridade para as ruas.
       A injustiça virou o personagem principal da triste e curta história de vida de Eduardo. A mãe, Terezinha, derrama suas lágrimas há meses, não há reparação para sua dor, que pode ser no máximo amenizada com a punição dos responsáveis pela sua perda. E temos a obrigação de, ao menos, dar dignidade a seu intenso sofrimento. Para todos nós, que não somos pais do Dudu, mas somos pais de alguém ou filhos de alguém, ainda há esperança, se não ficarmos paralisados, atônitos e chocados diante da desgraça do outro. Porque o outro é o nosso espelho, no Alemão ou no Leblon. O poder devastador da injustiça está exposto, em toda a sua plenitude, no assassinato de Eduardo. Como já disse, há muitos anos, Rui Barbosa, mais atual do que nunca: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.