segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Euro coroou o passado e o presente de Portugal

               As lágrimas de um país inteiro.



      Bem-vindo ao clube: Portugal era até
ontem a única seleção de considerável
prestígio no cenário europeu a não
ter títulos. O fim do tabu veio com
 o 1 a 0 sobre a França.
     O velho continente enfrenta um dos mais difíceis momentos de sua história recente. O terrorismo, a crise migratória, as ainda elevadas taxas de desemprego decorrentes da crise econômica de 2008 e o nacionalismo exacerbado de partidos de extrema-direita, que cada vez mais ganham terreno na política, criaram um cenário complexo de tensões, cujo marco foi o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida no final de junho. Para os franceses, anfitriões da Eurocopa, o torneio e o título da sua seleção seriam uma forma de amenizar o orgulho ferido por conta dos atentados em Paris no ano de 2015 e dos problemas internos, acentuados recentemente com o polêmico projeto de reforma trabalhista defendido pelo governo do presidente François Hollande.
  Nesse contexto, o futebol e os megaeventos esportivos não são fatores responsáveis por alienação. Pelo contrário, buscam resgatar, mesmo que por um período curto, a alegria, a união e o respeito, tão importantes quanto o legado estrutural que megaeventos podem proporcionar. Durante a Eurocopa, as brigas entre torcedores de várias seleções mostrou que esse grupo minoritário que partiu para confrontos violentos é reflexo de um posicionamento radical que sempre existiu na Europa, transcende o esporte e cresceu nos últimos anos. No entanto, à medida que as partidas aconteciam, o protagonismo do futebol se evidenciou com as atuações de gala de Griezmann, Bale, Buffon, Cristiano Ronaldo, entre outros, e das torcidas, como as da Islândia e da Irlanda, colocando a essência do esporte no seu devido lugar. O esporte se tornou tão competitivo, tão racional a ponto de perder seu caráter humano que, às vezes, nos esquecemos de um de seus elementos centrais: o poder de emocionar. 
     O sonho francês de ganhar mais um título no futebol como anfitrião, após as conquistas da Eurocopa de 1984 e da Copa do Mundo de 1998, permaneceu com grandes chances de se realizar até ontem. A vitória sobre a Alemanha alçou a França ao patamar incontestável de favoritismo na final. Portugal, entretanto, também tinha um sonho: a seleção que revelou ao mundo, em diferentes épocas, ícones como Eusébio, Figo, Deco e Cristiano Ronaldo era a única de considerável prestígio no cenário europeu que jamais alcançara, até então, um título capaz de a levar à elite do futebol europeu, tendo oportunidades para isso, mas que não se concretizaram. O vice-campeonato na Eurocopa de 2004, em casa, foi a bola na trave mais dolorida. De fato, a geração de Cristiano Ronaldo alcançou, 12 anos depois, um feito que as de Eusébio e Figo não conseguiram, mas este é um prêmio em reconhecimento a tudo o que os craques lusitanos do passado possuem de legado; uma compensação pelas incoerências do futebol.    
     O título de expressão não havia sido conquistado até então provavelmente pelo fato de Portugal - da mesma forma que qualquer outro país - precisar não apenas de craques, mas de um time, que não obrigatoriamente tem de ser espetacular. Basta ser corajoso e equilibrado diante dos altos e baixos existentes em uma partida para ter 0,1% de chance. Por isso a Islândia foi tão longe na competição e País de Gales chegou às semifinais. Foi assim que Portugal se comportou na decisão.
        As lágrimas de Cristiano Ronaldo, ainda na primeira metade do primeiro tempo, ao perceber a impossibilidade de permanecer em campo também poderiam ser as de uma derrota antecipada. Afinal de contas, o líder foi abatido, pelo menos dentro das quatro linhas, após uma dividida com o meio-campistas francês Payet. A partir de então, vimos, pela primeira vez em anos de Cristiano Ronaldo vestindo a camisa da seleção, Portugal atuar como "time", no sentido mais claro da palavra. Com muito sacrifício, sorte e organização, os jogadores portugueses resistiram à pressão francesa durante os 90 minutos. 0 a 0.
     A prorrogação foi o "Dia D" versão portuguesa. Se em 1944 o dia do desembarque das tropas aliadas na Normandia foi, assim como a Batalha de Stalingrado, um dos momentos decisivos para a reviravolta na Segunda Guerra Mundial, os 30 minutos de tempo extra no Stade de France marcaram a virada a favor de Portugal no jogo. O gol de Éder arrancou da garganta dos portugueses tudo o que estava entalado no futebol: decretou o a primeira vitória de Portugal sobre a França desde 1973, devolveu aos portugueses o que a Grécia lhes tirou em Lisboa 12 anos atrás, um título que muitos lusitanos achavam que não conquistariam mais a partir do momento em que o craque se estirou no gramado e saiu impotente em uma maca. Pobre Cristiano, mal sabia que seus companheiros fariam ele e um país inteiro chorar muito mais naquela noite... mas de alegria.


                                Mattheus Reis.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Final galáctica



                                             Missão cumprida


Festa emocionante: "galáctico" não
descreve apenas o Real Madrid. A final
 da Liga dos Campeões de 2016 foi galáctica.
      Na partida mais emocionante de 2016, o Real Madrid se deparou novamente com a dramaticidade que existe em enfrentar o Atlético de Madrid em uma decisão de Liga dos Campeões da Europa. Os mais recentes jogos do clássico da capital espanhola tiveram roteiros semelhantes: foram equilibradíssimos. A tensão no sábado foi maior do que na final de 2014, em Lisboa, também disputada entre as duas equipes. O clima de revanche estava no ar, mas, com altos e baixos nos 120 minutos jogados, o Real Madrid conquistou pela 11ª vez o torneio, recorde difícil de ser batido tão cedo. O Atlético de Madrid, por outro lado, mostrou que é possível ir longe no futebol mesmo adotando um estilo de jogo visto equivocadamente por muitos como 'feio'.
      Flamengo e Sport se enfrentaram na 1ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2016. O rubro-negro carioca saiu na frente, com um gol marcado pelo meio-campo Éverton aos 5 minutos do primeiro tempo. O que se viu a partir de então foi o time ainda comandado por Muricy Ramalho 'cozinhar' o jogo e esperar o apito final do árbitro, em uma estratégia essencialmente defensiva. A torcida do Flamengo não gostou e criticou a atuação 'passiva' dos jogadores em campo. O exemplo da partida de Volta Redonda (RJ) é uma amostra da realidade também vista em grande parte dos outros jogos disputados pelo Brasil. 
      De fato, o torcedor paga caro pelos ingressos de futebol no Brasil. Estudo elaborado pela BDO Brazil Consultoria constatou que o preço médio do ticket subiu 241% entre 2004 e 2013, enquanto a inflação registrada no mesmo período acumulou alta de 55,1% (IPCA-IBGE).  Quem vai ao estádio, portanto, quer ser recompensado pelo investimento feito. Nada mais do que uma cobrança natural em um meio passional como o esporte. No entanto, as deficiências estruturais apresentadas pelo futebol brasileiro na formação e na manutenção de bons jogadores de meio-de-campo e de ataque impedem o tão desejado espetáculo.
      Somam-se a isso distorções já enraizadas capazes de só aumentar nossa frustração: você ainda crê que "a melhor defesa é o ataque"? Muitas vezes, a criticada 'passividade' em campo é uma estratégia que pode, assim como a ofensividade, ser bem-sucedida ou não.
      No mundo do futebol, o conceito de "belo" está tão associado às bicicletas, dribles e chutes na gaveta que esquecemos, às vezes, quão exuberante também pode ser um desarme bem feito, sem falta. Tivemos, em nosso passado, craques responsáveis por transformar o Brasil no país do "futebol-arte" (Pelé, Garrincha, Zico, Sócrates, Falcão e tantos outros) e ficamos mal-acostumados a achar que só existe um único jeito de jogar futebol. Apesar dos tons apocalípticos e trágicos em torno da eliminação da espetacular seleção brasileira na Copa do Mundo de 1982, a derrota para a Itália mostrou que, para se alcançar a vitória, podem ser adotadas outras estratégias em campo 
      Diego Simeone é o novo embaixador da filosofia essencialmente defensiva em campo, vista como 'feia', mas responsável por, em 5 anos, conduzir o time colchonero de 'patinho feio' de Madrid para protagonista do futebol europeu. Foi assim que os atuais tutores do futebol total e ofensivo, Barcelona e Bayern de Munique, foram eliminados pelo Atlético de Madrid nas quartas-de-final e semifinais respectivamente. O trabalho do técnico argentino não é bonito de se ver?
    Não existe a hegemonia de um estilo sobre o outro, cada um deles se adequa à realidade de cada time e podem dar certo. Caso contrário, Real Madrid, de trato fino com a bola, e Atlético de Madrid, aguerrido, jamais duelariam de forma tão equilibrada em um jogo tão importante quanto o do último sábado em Milão.
      Sérgio Ramos, ao marcar o primeiro gol do jogo, deu a falsa sensação de que a história de 2014 seria reescrita de forma até mais tranquila, sem riscos. No entanto, havia um percalço, um 'Carrasco' no meio do caminho do Real Madrid rumo à cobiçada taça. O Atlético de Madrid renasceu, pra lá dos 30 minutos do segundo tempo, das cinzas, botou a bola no fundo da rede e uma interrogação na mente daqueles que confiavam no 11º título só porque o Real Madrid é mais forte ofensivamente que o Atlético de Madrid. O destino não conseguiu em 90 minutos julgar quem merecia ganhar a partida e, por isso, pediu uma prorrogação de prazo. Após 30 minutos, o veredicto não veio. Nenhum dos cobradores dos pênaltis bateu de forma displicente, equivocada ou afobada. As traves, então, coroaram os "Reis da Europa". Parece que, em algum lugar místico, um cara ou coroa decidiu tudo.
      Por tudo isso, os prognósticos de uma emocionante final da Champions League se confirmaram. Não à toa, tantas lágrimas escorreram pelos rostos de vencidos e vencedores em campo e nas arquibancadas. 'Galáctico' é um adjetivo historicamente atribuído ao time do Real Madrid, porém o jogo de sábado também merece ser chamado de galáctico porque Simeone e o Atlético de Madrid também foram galácticos durante todo o campeonato, mesmo que os motivos sejam, à princípio, diferentes. Vimos, enfim, um espetáculo! O futebol cumpriu sua missão. E fecham-se as cortinas.
                                    
                                                                      Mattheus Reis.

sábado, 14 de maio de 2016

Um "salvador" sem crédito.

                                   Temer: o 'herói" da vez.


Mais do mesmo: apesar de intitular
 seu governo como de "salvação", o
 plano de governo  de Temer está
 longe de ser unificador após o
 impeachment dividir o país.

     A partir da decisão tomada pelo Senado Federal, de afastar por até 180 dias a Presidente Dilma Rousseff em decorrência do processo de impeachment contra ela instaurado, o então vice, Michel Temer, passa a ser provisoriamente o Chefe de Governo em exercício enquanto não ocorrem o julgamento comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e uma nova votação no plenário do Senado, na qual 2/3 dos políticos da Casa precisam dizer "sim". A aliança política que conduziu Temer à presidência vislumbrou, em meio às dificuldades de articulação política e de estabilização da economia enfrentadas pelo governo Dilma, a possibilidade de viabilizar mais uma vez um antigo projeto do PMDB: conquistar notoriedade no comando do Poder Executivo sem, entretanto, promover mudanças profundas na estrutura política do país.  
     O PMDB carrega em sua história o simbolismo de ter sido o grande partido opositor da Ditadura Militar e mentor da Assembleia Constituinte de 1988, mas também críticas por ser pragmático e não possuir uma plataforma política de propostas homogênea. A legenda é a mais beneficiada pelas brechas da máquina pública para eleger candidatos. Foi assim que conquistou a maior bancada do Congresso durante o mandato de Dilma Rousseff e exerceu o papel de "fiel da balança" em votações  e na formação de coligações eleitorais.  
     Em março, sob alegações de "pouca atenção dada por Dilma e incapacidade da Presidente em agregar forças políticas contra a crise econômica", o partido presidido por Temer há 15 anos anunciou o rompimento definitivo com o governo. Os desgastes, entretanto, foram criados antes, durante a campanha de 2014, e tiveram o estado do Rio de Janeiro como origem. A presença de candidatos do PT e do PMDB, até então aliados, na eleição para governador rachou o PMDB do estado fluminense a ponto de serem formados dois grupos: um a favor da candidatura de Dilma Rousseff, liderado pelo prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, e outro, intitulado "Aezão", que apoiava o candidato tucano e tinha como principais líderes Eduardo Cunha e Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa.
   A chegada de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2015, conferiu-lhe poderes para gradativamente influenciar a posição do partido quanto à continuidade  ou não na base aliada do governo federal; posicionamento este que em algum momento, precisaria ser majoritário. A decisão consumou a separação e o apoio ao impeachment, outros partidos de menor expressão seguiram o mesmo caminho e, assim, foram garantidos os votos necessários à oposição, que, incapaz de criar projetos vencedores em eleições presidenciais, contentou-se com ministérios e com a elaboração de um plano de recuperação econômica para integrar o novo governo e voltar ao poder.
        Diante da baixa popularidade de Dilma Rousseff e do PT, apoiá-los aumentaria as chances de derrota nas próximas eleições de 2016 e 2018. A 'solução' encontrada então pelo PMDB provavelmente foi trocar de lado para continuar aonde sempre esteve. Nada surpreendente. Por outro lado, o núcleo mais próximo de Dilma Rousseff demorou em negociar uma reversão dessa desagregação e, talvez, não quis fazer, já que isso envolveria a salvação de Cunha no Conselho de Ética contra o seu processo de cassação na Câmara dos Deputados.
     Com a finalidade de combater ao máximo esse jogo de interesses que está longe de representar as demandas da sociedade, cada vez mais é vista como imprescindível a realização de uma Reforma Política coerente. 
      E os argumentos jurídicos e técnicos para sustentar o impeachment? Cada vez mais parecem ser apenas um pretexto duvidoso e complexo para conferir a todo esse tumulto certa aparência de legitimidade. Uma estratégia para ter o aval de uma população que sofre as consequências de problemas estruturais na educação e da falta de pluralidade de informações. Mais uma vez, é preciso destacar: somos roubados não apenas nos cofres, mas também nas ideias. Antes mesmo das denúncias apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os as supostas pedaladas do governo, o "Fora, Dilma!" já estava nas ruas, capitaneado, assim como outros movimentos da sociedade civil, por partidos políticos.
       Em seu primeiro pronunciamento no Palácio do Planalto, marcado pelo entusiasmo dos presentes na cerimônia apesar do momento delicado da democracia brasileira, Michel Temer destacou a missão de comandar um governo "de salvação e coesão nacional" e com foco na necessária e urgente recuperação da economia. No entanto, engana-se quem crê na estabilização e na salvação do Brasil apenas com base na melhora dos indicadores macroeconômicos (PIB, inflação e taxa de desemprego). O Brasil é muito mais complexo politica e socialmente para acharmos que economia, economia e mais economia são as únicas áreas de gestão a serem priorizadas por um governo. 
       O plano de recuperação econômica de Temer (privatizações, mudanças em legislações trabalhistas e previdenciárias e redução de pastas, a ponto de importantes órgãos de fiscalização das atividades públicas, como a Controladoria-Geral da União (CGU), perderem sua autonomia e serem agregados a outros ministérios) não garante por si só a estabilidade social e política do país por mais que, com essas medidas, a economia seja reaquecida.
   Se esses e outros projetos, como a diminuição das demarcações de terras indígenas, a flexibilização do Estatuto do Desarmamento e a expansão da terceirização do trabalho, forem aprovados, não há como alcançarmos minimamente a paz e a coesão idealizadas por Temer. O motivo não é tão difícil de entender: grande parte dessas medidas está distante de atender  às demandas tanto de significativos segmentos da população quanto de minorias, que conquistaram vários direitos antes e durante os governos do PT.
      Foram essas medidas as apresentadas pelo PSDB nas últimas três eleições presidenciais, não sendo suficientes para derrotar o PT. Para ter o mínimo de governabilidade, Temer pode, em contrapartida, ceder e dar a canetada final para esses projetos elaborados por seus aliados entrarem em vigor.
       Não é possível que em todas as crises, no Brasil e no mundo, o único 'remédio' aplicado por lideranças políticas seja o da tesoura em programas sociais, direitos nas áreas trabalhista e previdenciária e em outros gastos com o respaldo da comunidade empresarial e da imprensa. Não é possível a austeridade, fórmula econômica também usada pelo governo Dilma enquanto Joaquim Levy foi ministro da Fazenda, ser o único caminho disponível. A gravidade da situação econômica atual do Brasil se deve, principalmente, às contas públicas estarem no vermelho e os cofres públicos, quase vazios. Mesmo assim, não é possível não haver outras alternativas tão eficazes, menos drásticas e que evitem a socialização das perdas.
       Este processo de impeachment tem um diferencial crucial em relação a outros que ocorreram na América Latina nas últimas décadas: nunca antes um(a) presidente, mesmo isolado(a) politicamente, esteve amparado(a) por tantos cidadãos e movimentos sociais quanto Dilma Rousseff. Diante desse cenário, Temer precisaria apresentar uma real agenda de propostas de conciliação e não apenas um discurso sobre. Manter programas sociais é fundamental, mas não é bastante para esses grupos, cuja opinião dificilmente mudará somente com a recuperação da economia. Para esses grupos, uma maior participação nas decisões políticas é mais importante. 
      Agora em estágio talvez avançado demais para ser revertido, o impeachment em nada alterou a rígida estrutura da política brasileira. Ao analisarmos os perfis político/ideológico da nova equipe ministerial montada, do Congresso e do discurso de Temer, percebe-se a mudança de atores políticos, mas o jeito de se fazer política continua inalterado.  Por tudo isso, o presidente em exercício já enfrenta sua primeira crise: a de legitimidade, como mostram as pesquisas de opinião. Pelo visto, "Temer" não é um nome que combine com os dos herois, idolatrados ao extremo na cultura brasileira. Um pouco menos de salto alto é o melhor projeto que esse governo eleito com 0 votos pode oferecer ao país neste momento. 

                                             Mattheus Reis.      

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Os plebeus chegam ao trono

                                                        Os melhores filmes.


Herois improváveis: até então pouco
conhecidos no mundo do futebol,
 Mahrez (à esq.) e Vardy foram os 
destaques do primeiro título 
inglês do Leicester na história.
     Schmeichel, Simpson, Morgan, Huth e Fuchs; Drinkwater, Kanté, Albrighton e Okazaki; Mahrez e Vardy. Desconfio até da capacidade dos videntes em prever que esses 11 jogadores comandariam nesta temporada um modesto clube rumo ao título mais importante de sua história centenária: o do campeonato inglês, o mais rico do mundo. O responsável por essa façanha tem o nome de uma pequena, mas orgulhosa cidade do interior: Leicester. A conquista inédita, confirmada antecipadamente hoje, é épica não apenas pela surpresa causada ao mundo do futebol, mas porque quebra um modelo de gestão do futebol que cada vez menos possibilita "pequenos" virarem "grandes".  
     A partir da segunda metade do século XX, a intensificação do processo de Globalização conduziu as relações políticas, econômicas e culturais a uma amplitude e complexidade nunca antes vistas. O futebol não ficou a par dessas rápidas e muitas vezes danosas transformações na forma como os mercados, as instituições políticas e povos interagem entre si. No mundo esportivo, mais precisamente, a expansão proporcionada pelos avanços tecnológicos na transmissão e na cobertura de jogos dos mais variados torneios para os quatro cantos do mundo aumentou o espaço de exposição e também a concorrência entre os clubes por investimentos de empresas em estrutura, patrocínios e repercussão midiática.
       Antes da Globalização impor o modelo neoliberal de negócios no mundo, as disparidades financeiras e técnicas entre as equipes já existiam, assim como as denominações "time grande" e "time pequeno" estavam presentes na imprensa esportiva. Na Europa, no entanto, as disparidades no futebol não eram, 50 anos atrás, tão abissais como atualmente, quando apenas 2 ou no máximo 3 supertimes concentram as disputas pelos títulos de cada campeonato nacional todos os anos.
     Obviamente, é preciso destacar a exemplar administração dessas potências do futebol mundial, que alcançaram um patamar de organização invejável aos clubes brasileiros. A profissionalização da gestão do futebol parece ser um caminho sem volta e que começa a ser trilhado gradativamente no Brasil. Por outro lado, a realidade atual do futebol não pode impedir quem é pequeno, hoje, de sonhar e trabalhar para ser grande a médio prazo.
       Já consolidados economicamente antes mesmo da noção de "clube-empresa" ser introduzida aos negócios do futebol, Manchester United, Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, Juventus e outros ampliaram ainda mais nas últimas décadas as diferenças de arrecadação em relação aos clubes de pequeno e médio porte do futebol europeu, em uma corrida na qual o pelotão de elite largou com vantagem quase irreversível. A qualidade do espetáculo e o estilo "bonito" de se jogar são os responsáveis por renovar a paixão pelo esporte e deveriam ser direito universal em uma imaginária "Constituição do futebol". 
     Por conta desse cenário, que podemos classificar de "injusto" e reduz as surpresas, o título do Leicester merece ser aplaudido de pé. Da mesma forma que alguns conseguem quebrar a banca dos jogos de azar em grandes cassinos de Las Vegas, Macau e Monte Carlo e fazer fortunas repentinamente, o antes improvável campeão driblou o status quo do futebol contemporâneo, marcado pela exclusão e elitização. Um clube quase rebaixado para a 2° divisão no ano passado e cujo elenco no início desta temporada era 6,5 vezes menos valioso do que o elenco mais rico do campeonato inglês em 2016, o do Chelsea, que ocupa apenas a 9° posição na tabela. Os dados são do site "Transfer Market". 
     Não há muito mais o que explicar por trás da sensação do futebol neste ano. Tanto se comenta sobre a excepcional gestão dos grandes clubes europeus, mas esquecemos da lição ensinada  pelo Leicester: é possível encontrar bons jogadores a preços acessíveis, ao contrário de muitos dirigentes que formam elencos "galácticos" visando à repercussão midiática e à quantidade de novas camisas a serem vendidas ao invés das vitórias, que também geram dinheiro, não se esqueça!
     Sob o comando do técnico Claudio Ranieri, o time 'encaixou' a ponto  de estar na parte de cima da tabela durante todo o campeonato e derrubar os gigantes de Londres, Liverpool e Manchester. Contra Arsenal, Chelsea, Tottenham, Manchester City, Manchester United e Liverpool, foram 12 jogos, 5 vitórias, 4 empates e 3 derrotas, além de ter obtido o melhor desempenho como visitante (11 vitórias em 18 jogos realizados até agora). O resto é mágica, é sorte, é o destino, são as restantes e agradáveis surpresas do esporte mais popular da Terra. 
     A história do título inédito do Leicester possui todos os requisitos para se transformar em um roteiro de cinema digno de um Oscar. O renascimento em meio às cinzas e a luz no fim do túnel são narrativas com as quais nos identificamos já que todos nós passamos por altos e baixos. Apesar de já termos assistido a inúmeros filmes cujos enredo e personagens são marcados pela superação, não cansamos de rever e de nos emocionar com alguns deles. Ainda mais se o 'filme' for real e passar diante dos nossos olhos. O filme "Leicester" merece replay.

                                              Mattheus Reis

segunda-feira, 18 de abril de 2016

8 a 1

                         Mais uma derrota da política brasileira.


Manifestantes contrários ao impeachment assistem a votação do impeachment, nos Arcos da Lapa, no Rio Hermes de Paula / Agência O Globo
Sem vencidos e vencedores: ficou
claro para grande parte da sociedade o que
move as decisões políticas de representantes
não comprometidos com o Brasil.
      O  momento atual da classe política brasileira é um dos mais pobres intelectualmetnte das ultimas décadas, e a sessão cujo resultado foi o aval para o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff ser encaminhado para o Senado foi prova do difícil momento da democracia nacional. Um tema tão sério e delicado não apenas para o presente como também para o futuro foi tratado de maneira incoerente, irresponsável e até mesmo cômica por parte dos 367 que disseram "sim" na noite de ontem. Uma derrota vexatória da classe política. Faltam projetos políticos efetivos. Faltam lideranças para executa-los. O 7 a 1 foi pouco.
     No processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, pôde ser constatada uma unanimidade em torno de seu afastamento por conta das evidentes denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito contra a pessoa do então presidente. Vinte e quatro anos depois, o cenário é diferente: apesar de escândalos de corrupção terem como envolvidos membros da administração federal, não há provas cabais de participação da presidente em pagamentos de propinas. Diante disso, dizer "mas ela sabia" resume-se a uma tentativa de acirrar ainda mais um clima político já tenso.
     Além disso, o único objeto de análise do impeachment refere-se às supostas "pedaladas fiscais" do ano de 2015, uma questão extremamente técnica, que somente poucas pessoas dentro do universo de 142.822.046 eleitores (TSE-2014) têm propriedade para analisar, como especialistas em direito tributário, direito constitucional e em finanças públicas. Quem somos nós, jornalistas, estudantes, engenheiros, médicos, vendedores para emitir um posicionamento definitivo sobre a prática ou não de crime de responsabilidade, passível de impeachment? E pior ainda é acreditar fielmente em um crime de responsabilidade com base na opinião de juristas alinhados à oposição e nas "manchetes do Jornal Nacional", como disse Mônica Iozzi. Somos muitas vezes massa de manobra para serem alcançados objetivos que não nos interessam.
     O fato das "pedaladas fiscais" serem tão complexas para comprovar o cometimento de crime de responsabilidade abriu um precedente para questionamentos acerca da legalidade deste impeachment. Seriam as "pedaladas fiscais" apenas um pretexto injustificável juridicamente para derrubar o governo só porque a crise econômica afeta o país e a base aliada está esfacelada? É péssimo termos 9% de inflação, 9% de desemprego e uma retração de 3,5% do PIB brasileiro em 2015, mas esses números não são endosso para a destituição de um Presidente. Não há PIB no mundo, por mais trilionário que seja, capaz de sucumbir a ordem constitucional e o respeito ao voto popular. Nos anos FHC, o Brasil também enfrentou, até a estabilização conquistada pelo Plano Real, dificuldades econômicas simbolizadas por uma taxa de desemprego próxima aos 12,5% em 2001 (IPEA). Mesmo com as pressões populares da época, nenhum pedido de afastamento vingou e, realmente, não deveria.
Capa da Revista "ISTO É"
insinua problemas emocionais
da presidente Dilma Rousseff.
     No entanto, não foram esses valores os utilizados na argumentação de grande parte dos que apoiaram a continuidade do processo no Senado. Misturamos tudo, fazemos um caldo cujos ingredientes são a crise econômica, a corrupção do PT (não a da Odebrecht, a da Andrade Gutierrez, a de Eduardo Cunha, a de Aécio Neves, a do PMDB e a do dia a dia), a reportagem com viés machista e oportunista sobre a instabilidade emocional de Dilma Rousseff e, como resultado, saboreamos um gosto amargo responsável por nos induzir a dizer "Fora!" precipitadamente.
     Aqueles cujo "sim" foi resposta sonhavam, em sua maioria, com o fim da corrupção, como se o oásis da ética nunca estive tão próximo. Sinto muito em ser, neste momento, o mensageiro do pessimismo, porém o fim da corrupção está tão próximo quanto o título mundial do Flamengo. Ou melhor, nunca acabará em lugar algum do mundo. Ao nosso alcance, felizmente, está a possibilidade de realização de uma urgente Reforma Política para atenuar ao máximo o espaço concedido a práticas ilegais que atentam contra o dinheiro público e o bem-estar comum.
     Outros reforçaram, através de confetes e papel picado lançados em pleno plenário da Câmara, a tese de que é em Brasília, e não em Salvador, onde o Carnaval dura o ano inteiro, embora tenhamos no Congresso quadros políticos comprometidos com o progresso do Brasil, o que é sempre bom destacar. E como não poderia faltar neste espetáculo, a irracionalidade de quem parabeniza o presidente da Câmara dos Deputados, cujo aproveitamento é de 100% em investigações da justiça (Lava-jato, corrupção em Furnas, lista de propinas da Odebrecht e Panama Papers) e exalta um dos homens mais brutais da Ditadura Militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do maior centro de torturas do período, o DOI-CODI de São Paulo. É mais prudente nem mencionar o nome desse deputado, tido por muitos como "O Messias", porque pode ser contagioso.
     Diante da falta de coerência, do pragmatismo e do cinismo apresentados por muitos dos seus apoiadores, o impeachment já duvidoso da presidente Dilma Rousseff se torna cada vez menos defensável e legítimo apesar de o rito do processo, estipulado pelo Superior Tribunal Federal (STF) estar sendo respeitado. Quem compartilha de todas as ideias apresentadas neste texto está provavelmente sendo taxado por parte da opinião pública de ser "conivente com a corrupção", mas a conivência com a corrupção vem, de fato, daqueles que ainda mantém o apoio político que sustenta Eduardo Cunha somente porque ele possui forças para derrubar a Presidente da República. Vem daqueles que na sessão de ontem vaiavam enquanto críticas eram direcionadas ao presidente da Câmara dos Deputados.
     Por fim, se algo podemos extrair de positivo de tudo o que aconteceu ontem, é a indignação expressa por grande parte dos jovens em relação ao comportamento e posicionamento político dos deputados favoráveis ao impeachment. Simboliza uma nova geração que precisa manter essa forma coerente de pensar e agir. Já é o início de uma Reforma Política, que começa na escolha de representantes comprometidos com um Brasil melhor. A boa notícia é que eles existem. Você só precisa se esforçar para encontra-los. Você dá conta?


    Mattheus Reis        

quinta-feira, 24 de março de 2016

O que não deixam você ver

O texto a seguir foi escrito pelo jornalista Patrick Cockburn, do jornal britânico "The Independent", publicado na edição de 23 de março do Jornal "O Globo" e está disponível através do link: http://oglobo.globo.com/mundo/artigo-politicas-desastrosas-ajudaram-estado-islamico-18937571#ixzz44bIxTo95      


                      Políticas desastrosas ajudaram o EI

Terror oculto: Ataques cometidos pelo
 grupo extremista Boko Haran, da Nigéria,
tão crueis quanto os praticados pelo EI
em Bruxelas, não recebem tanta atenção
 da mídia e da comunidade internacional.
      A prisão de Salah Abdeslam, considerado o único sobrevivente dos perpetradores do massacre de Paris, significa que a mídia está concentrada mais uma vez na ameaça de um ataque terrorista do Estado Islâmico (EI). Há indagações sobre como o homem mais procurado da Europa conseguiu evadir-se da polícia por tanto tempo, embora estivesse vivendo em seu bairro natal, Molenbeek, em Bruxelas. Redes de TV e jornais perguntam ansiosamente sobre a chance de o EI cometer uma outra atrocidade voltada para dominar a pauta das agências de notícias e mostrar que ainda está atuante.
      O relato dos eventos em Bruxelas está em linha com os ataques em janeiro (“Charlie Hebdo”) e novembro em Paris, e os assassinatos numa praia turística na Tunísia pelo EI, no ano passado. Durante vários dias, há uma ampla cobertura pela mídia, que aloca tempo e espaço bem além do necessário para relatar os acontecimentos. Mas, em seguida, o foco se transfere para outro lugar, e o EI vira notícia velha, tratada como se o movimento tivesse acabado ou pelo menos perdido sua capacidade de atingir nossas vidas.
      Não é como se o EI tivesse parado de matar pessoas em larga escala desde o massacre de Paris em 13 de novembro. Trata-se mais do fato de não estar fazendo isso na Europa. Estive em Bagdá em 28 de fevereiro, quando dois suicidas do EI se explodiram em frente a um mercado na cidade de Sadr, matando 73 pessoas e ferindo mais de cem. No mesmo dia, dezenas de combatentes do EI em picapes equipadas com metralhadoras atacaram postos policiais em Abu Ghraib, na periferia de Bagdá.
      O mundo praticamente ignorou estes acontecimentos sangrentos porque eles parecem fazer parte da ordem natural das coisas no Iraque e na Síria. Mas o total de iraquianos mortos nesses dois ataques — e em dois outros atentados suicidas numa mesquita xiita no distrito de Shuala, em Bagdá, quatro dias antes — representa o mesmo número dos 130 mortos em Paris em novembro.
      Sempre houve uma descontinuidade nas mentes das pessoas na Europa entre as guerras em Iraque e Síria e os atentados terroristas contra europeus. Isto ocorre, em parte, porque Bagdá e Damasco são lugares exóticos e assustadores, e as fotografias de áreas devastadas por explosões são a regra desde a invasão americana em 2003. Mas há uma razão mais insidiosa pela qual os europeus não fazem a conexão entre as guerras no Oriente Médio e a ameaça à sua segurança. Separar as duas realidades é do interesse dos líderes políticos do Ocidente, porque assim a opinião pública não vê que suas políticas desastrosas em Iraque, Afeganistão, Líbia e outros lugares criaram as condições para o surgimento do EI e de gangues terroristas como aquela a que Salah Abdeslam pertence.
      Após o massacre de Paris no ano passado, houve uma onda de apoio à França e pouca crítica às políticas francesas na Síria e na Líbia, embora elas tenham beneficiado o EI e outros movimentos jihadistas desde 2011. Ao apoiar a oposição na Síria e na Líbia e destruir esses Estados, a França e o Reino Unido abriram a porta para o EI e deveriam repartir a culpa pela ascensão do terrorismo na Europa.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Para onde vamos?

O texto abaixo é de autoria do colunista Arnaldo Bloch, foi publicado na edição de 19/03 de março do jornal "O Globo" e está disponível no seguinte link: http://oglobo.globo.com/cultura/golpes-em-serie-18912436#ixzz44bBG7mwJ

                                                    Golpes em série


      Há seis meses parei de fumar. Mas, nesta quinta-feira, dia seguinte à divulgação do diálogo de Lula e Dilma, está difícil. Fui agora ao pátio do GLOBO fumar um cigarro, desses para situações de emergência, na gaveta, com dois botões acionadores de menta e blue ice. No caminho recebo zapzaps pedindo que escreva contra o golpe. Que golpe?, respondo. São tantos os que andam sendo desferidos, por todos os atores envolvidos na cena!
      Alguns golpes são contra os próprios interesses de quem golpeia. O famoso tiro no pé. Como diz um amigo, o Zé José, assistimos a um campeonato nacional de tiros no pé. O tiro no pé da condução coercitiva, que leva ao tiro no pé do destempero de Lula, acusando as elites, ele que abriu a guarda para as piores oligarquias. O tiro no pé do pedido de prisão pelos promotores de São Paulo; o tiro no pé da juíza que envia a decisão a Curitiba.
      O tiro no pé de Dilma ao “renunciar à renúncia”. O tiro no pé do convite (e do aceite) de Lula para ser ministro. O tiro no pé de Dilma ao telefonar para Lula (não podia ser um bilhetinho?). O tiro no pé de Moro ao divulgar o diálogo, gravado, aliás, após ele ter suspendido a escuta.
      Quem vai dar o último tiro no pé?
      Há outro cigarrinho no maço. Não fui à manifestação de domingo. Não bati panela. Não bato panela. Não terei ido tampouco à manifestação do PT do dia 18 (hoje é quinta-feira, a crônica sai no sábado, sabe-se lá se haverá sangue nas manchetes). Estou enjoado. Faz tempo que me decepcionei com Lula. Nunca nutri por Dilma qualquer esperança. Aécio jamais convenceu, e parece que o dia dele chegou. Não gosto da vaidade dos juízes, que se precipitam para virarem heróis e extrapolam, exorbitam, golpeiam, depreciando os próprios méritos.
      Quem confia em Temer? Em Renan? O que é o PMDB, fiel da balança do juízo final? O que terão os empreiteiros ainda a dizer sobre a era FH? Se Dilma cair, se Lula cair, e que caiam se tiverem que cair, quero ver essa parada seguir seu curso, até o fim. Prendam-se todos se forem capazes. Mas não precisamos de heróis.
      Precisamos de democracia. De processo eletivo. De transição dentro da Lei. De renovação, e não de destruição da política, de vulgarização da figura da Justiça. Chega dos loucos agressivos de ambos os lados que saem xingando, estapeando, brandindo boçalidades contra quem não tem a mesma opinião. A histeria vigente, os berros esgoelados nas janelas, o ódio de classes, a arrogância, as sentenças antes do julgado, a ignorância, o analfabetismo funcional de promotores que conhecem as teorias sociais através de orelhas de livros e gostam de posar para fotos com óculos escuros azulados olhando para o horizonte do breu. Não aguento a empáfia do ex-AGU Gilmar Mendes.
      E Eduardo Cunha? Está lá, conduzindo olimpicamente o processo de impeachment, e lá vai permanecer até que dele não mais se necessite. Então, será jogado num buraco, mas nunca se sabe: ainda está por vir, quem sabe, o dia em que o chamaremos de presidente da república. Neste dia, aí sim, talvez valha a pena sair às ruas para vomitar e fazer selfies em série.
      O terceiro cigarro. O último do maço de emergência. Bom que a crônica já passou da metade, antes que eu cometa alguma bobagem maior. Vou descer para fumar e já volto. Voltei. Não, não voltei a fumar. Voltei a escrever. Uma conhecida de São Paulo, no Face, relata que um sujeito na Brigadeiro Faria Lima com um BMW, deixando a garagem de algum prédio corporativo anexo a um ponto de ônibus, acelerou para que ela saísse da frente. A mulher reclamou, dizendo que deve-se respeitar o pedestre. O homem abriu a janela e protestou: “Pobretoooooonaaaa!!!!!!”
      E rugiu o motor. Pobretona. Porque estava no ponto de ônibus. É risível, mas faz sonhar com uma legislação em que o sujeito flagrado dizendo tal frase fosse encarcerado em rito sumário por crime hediondo.
     Ouço aqui que um moleque de 17 anos gritando “Não vai ter golpe” foi espancado em São Paulo. Uma pró-Dilma esquentada relata: “Passei pela Paulista à noite para pegar o metrô. Encontrei com a manifestação no meio do caminho. Atravessei o aglomerado de verde e amarelo em frente à Fiesp, vestida também de verde e amarelo. Fui confundida com manifestante. Um cara veio me entregar uma bandeirinha, gritando ‘fora Lula’. Respondi que não compactuo com golpe, sorri e continuei andando. O cara me seguiu. Puxou meu braço, me mandou pegar a bandeira e lutar por um Brasil melhor. Peguei. Rasguei. Repeti que não apoio golpe. Levei um murro na boca do estômago, uma cusparada e um ‘corre, comunista!’”.
      Não que a militância do PT seja flores. Ao contrário. A gente conhece a fúria. E, repito, a coluna foi fechada antes das manifestações de sexta. Mas que homens honrados à cata de um novo Brasil são esses que saem dando porrada?
      Acabou o cigarro. Parei novamente de fumar. Mas a fumaça permanece, a fumaça de um Brasil desorientado, míope, incapacitado de julgar a que ponto a marcha da insensatez poderia ter sido evitada, o quão desnecessário teria sido chegarmos a este ponto.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Pseudo-sábios

                                                      Nelson tinha razão.


     "Você não se arrepende de ter votado nela?"


     Quem digitou o número 13 nas urnas, em outubro de 2014, para escolher o futuro do Brasil já deve ter ouvido essa pergunta desde então, assim como já deve ter feito um exame de consciência para avaliar se tomou a decisão correta. Arrepender-se ou não de ter reeleito Dilma Rousseff é um posicionamento que diz respeito a cada eleitor, uma preferência pessoal que deve ser respeitada.
     O momento de instabilidade política, que desemboca nas crises econômica e social, deve-se em grande parte, aos erros cometidos pelo governo, seja em questões administrativas ou éticas. Não dá para negar o fato do PT ter deixado de lado alguns de seus princípios históricos quando assumiu o poder, da mesma forma que outros partidos no Brasil e no mundo fizeram, frustrou as expectativas de militantes e simpatizantes petistas à medida que as prisões de quadros de influência no partido, como José Genoíno, José Dirceu e Delcídio Amaral, mais recentemente, foram decretadas em meio ao escândalo do mensalão e às investigações deflagradas pela operação "Lava-jato". 
       Independentemente dos muitos acertos e erros durante os 13 anos de governos Lula e Dilma, é preciso alertar para um fato preocupante para a democracia. Diante da recessão econômica, da insatisfação da oposição em ter perdido sua quarta eleição consecutiva para o PT e da tramitação do processo de impeachment contra a presidente, quem mantém seu posicionamento favorável à Lula e Dilma está gradativamente sofrendo uma marginalização no debate público e político, como se "nada tivessem a contribuir em um momento no qual a reflexão e o diálogo são imprescindíveis. 
       Esses segmentos políticos cada vez menos possuem espaço para expor e propor ideias nos grandes veículos de comunicação e nas redes sociais, e os exemplos disso são o pré-julgamento feito por grande parte da sociedade sobre o ex-presidente Lula, antes mesmo de qualquer condenação da justiça, os já conhecidos estereótipos sofridos por movimentos sociais defensores de questões-chave na realidade brasileira, como a desconcentração de terras rurais e o constante diálogo entre empregadores e empregados nas relações trabalhistas, e a tramitação de projetos no congresso tidos como regressivos - flexibilização do estatuto do desarmamento, da demarcação de terras indígenas e a das leis trabalhistas.  
       Nas redes sociais, o que se veem são críticas e "memes", alguns deles até bem-humorados, mas que pouco contribuem na tarefa de aprofundar o debate sobre como superar de maneira consistente uma situação difícil, principalmente para as classes "C" e "D", e, assim iniciar um novo ciclo de desenvolvimento sustentável econômica e socialmente. Cresce uma massa de oposição à condução do país dentro e fora da classe política, que, no entanto, esbarra na falta de um projeto coerente e eficaz para os brasileiros. Muitos creem que tal projeto atenda pelo nome de "impeachment", um sinal da pobreza intelectual e do imediatismo diante de reformas muito mais complexas no próprio sistema político voltadas para garantir maior transparência e agilidade às atividades do Legislativo e do Executivo, conceder mecanismos mais amplos de participação popular nas decisões políticas e combater o autoritarismo presente em atitudes de quem ocupa o poder, como as praticadas excessivamente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com a finalidade de retardar ao máximo o seu iminente afastamento do cargo e a consequente cassação de seus direitos políticos.  

Moda radical: discurso pregado por
 conservadores não estimula em debate
produtivo para construirmos o Brasil
do futuro.
     Esse cenário de questionamento ao governo, aliado à ausência de soluções vindas da situação e da oposição, cria um terreno fértil para o radicalismo proposto por nomes como o do deputado Jair Bolsonaro, do economista Rodrigo Constantino e da jornalista Rachel Sheherazade ganhar notoriedade e eles passarem a ser vistos como "os donos da verdade" em uma doutrinação às cegas. Embora esses tipos de discurso, sejam de direita ou de esquerda, tenham o amparo da imprescindível liberdade de expressão, a retórica existente neles contribui para a perda da coesão social e para a eclosão de conflitos violentos entre manifestantes pró e contra Dilma Rousseff. No momento atual, em que restam poucos argumentos racionais, o discurso do ódio virou moda ao ponto de ouvirmos constantemente "bizarrices" como "Dilma vai levar o país rumo ao comunismo", "Dilma deveria ir para o corredor da morte ao lado de Marco Archer" (brasileiro condenado à pena de morte na Indonésia por tráfico de drogas), "Ela é uma vaca, vadia", "Presidanta" e "Hey, Dilma, vai tomar no c...", cantado em coro pela torcida presente na Arena Corinthians, na partida de abertura da Copa do Mundo de 2014. 
     Grande ícone da literatura e da dramaturgia brasileiras, Nelson Rodrigues estava certo quando idealizou a famosa expressão "complexo de vira-latas", lamentando e criticando a capacidade do brasileiro em se rebaixar. De fato, nos rebaixamos ao ponto de denegrir toda a autoridade, dignidade, integridade e sentimentos pessoais de uma Presidente da República e, acima de tudo, mulher, goste você, leitor, dela ou não. Um comportamento equivocadamente apoiado em comentários de redes sociais e que evidencia problemas graves em nossa sociedade, como o machismo. Ainda bem que aquele indiano magrinho de óculos, o pastor americano sonhador que discursou em Washington para uma plateia de 200 mil pessoas e o outro Nelson, o sul-africano ganhador do Nobel da Paz em 1993, não estão vendo isso depois de tantos sacrifícios feitos por eles para nós.
     Como nós, brasileiros, podemos ser tão carismáticos e irreverentes no Carnaval, por exemplo, e, ao mesmo tempo, sermos tão raivosos? Está lançado o desafio para os gênios vivos da psicanálise. Se o Brasil não der certo e o sonho de Darcy Ribeiro não se concretizar, a grande culpada não será Dilma: apesar de sempre buscarmos em nossos fracassos um "bode expiatório", ela ficará até 2018 apenas; já essa forma desrespeitosa e intolerante de pensar e agir...

     Sobre aquela pergunta no início do texto, minha resposta é "não". O embate de ideias entre os candidatos nas eleições de 2014, os erros e acertos cometidos por qualquer político e partido que esteja no poder e a minha interpretação sobre a realidade brasileira foram os responsáveis por reeleger Dilma Rousseff. Qual o problema? Vou sofrer impeachment por causa disso?

                                                                    Mattheus Reis

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O grand finale de Manning?

                                      "Obrigado, craques!"

Um título merecido: P.Manning (39 anos) é o
mais velho quaterback a ganhar o Super Bowl.
       As estatísticas apontam que Peyton Manning, quaterback do Denver Broncos, esteve longe de ter feito sua melhor temporada se forem considerados os inúmeros recordes já conquistados pelo camisa nº18. As contusões o atrapalharam e o peso da idade se refletiu em pernas menos ágeis e um braço direito não tão potente quanto antes. Os indícios são de uma iminente aposentadoria. No entanto, se existe algo que, quanto mais o tempo passa, mais se adquire é a experiência. A experiência de quem havia disputado até então 3 Super Bowls deu tranquilidade para toda a sua equipe vencer a edição cinquentenária da grande decisão da liga de futebol americano (NFL) contra a sensação Carolina Panthers pelo placar de 24 a 10, ontem.
       Tranquilidade e experiência que faltaram àqueles que chegaram à Santa Clara - Califórnia, palco da decisão, como os favoritos na opinião de 18 dos 20 especialistas em futebol americano ouvidos em pesquisa elaborada pelo canal de TV ESPN. Embora tenha anotado, em média, 30 pontos por jogo, tivesse sido derrotado apenas uma vez em 18 jogos disputados até o Super Bowl e contasse com o craque da temporada, o quaterback Cam Newton, o elenco dos Panthers, em sua maioria, nunca havia disputado a final da NFL, diferentemente do seu oponente, que precisava, por sua vez, superar um trauma e reescrever a história.
       No Super Bowl de 2014, Peyton Manning e seus companheiros de time foram humilhados pela goleada de 43 a 8 sofrida contra o Seattle Seahawks. Pela forma que os Panthers atropelaram seus adversários na temporada, inclusive em jogos de playoffs, a possibilidade de um novo e semelhante revés existia. Há um célebre ditado conhecido pelos torcedores, que diz: "no futebol americano, ataques ganham jogos, mas defesas ganham campeonatos". Ao apostar todas as suas fichas nessa crença, Denver Broncos confiou nas atuações implacáveis de sua defesa nos jogos anteriores e a "profecia" se confirmou mais uma vez
       Desde o pontapé inicial da partida, testemunhou-se uma atuação incessante do setor defensivo dos Broncos, cujo destque foi o linebarcker Von Miller, eleito o craque da final. Com uma estratégia de sufocar Cam Newton, Denver permitiu que apenas 10 pontos fossem anotados pelo adversário, ou seja, apenas 1/3 da média de pontuação dos Panthers registrada na temporada. De fato, os jogadores do time campeão da Conferência Nacional não tinham a experiência de enfrentar marcadores tão vorazes e, assim, seus torcedores confiaram na falsa sensação de que os "passeios" e atuações convincentes se repetiriam ontem. Apesar da nomeação de Newton como o MVP da temporada, o favoritismo não se converteu no primeiro troféu Vince Lombardi da franquia, criada em 1995.
     A defesa socorreu Peyton Manning em um momento de sua carreira no qual não consegue mais vencer com as suas próprias jogadas. Por muito tempo, o quaterback carregou times "nas costas", como na sua passagem pelo Indianapolis Colts, onde conquistou o seu primeiro Super Bowl em 2007. Seus companheiros de Denver Broncos sabiam que a noite de ontem poderia terminar de maneira especialíssima: além do título, vencer ao lado de um dos maiores nomes da NFL em um de seus atos finais seria ainda inesquecível; uma oportunidade que poderia não mais bater à porta. Pode-se afirmar, então, que o 3º Super Bowl da franquia foi resultado do reconhecimento e do respeito a quem contribuiu tanto para a popularização do futebol americano no século XXI em todo o planeta. As estatísticas  negativas sobre Manning que me perdoem, mas sua provável última temporada se encerra de forma magnífica.
       Em todos os anos, escrevo com prazer sobre o Super Bowl, e não é à toa. É um evento cativante, assim como o campeonato inteiro, dono da melhor média de público e do maior faturamento anual entre todas as ligas esportivas do mundo. Sua capacidade de atrair multidões aos estádios e à TV, sejam fãs declarados ou leigos em relação às regras, é fascinante. Isso se deve a uma administração correta, que valoriza os jogos, mas, sobretudo a nomes memoráveis como Peyton Manning, Tom Brady, Aaron Rodgers, Larry Fitzgerald, Joe Montana e Marshawn Lynch, o mais novo integrante da turma dos aposentados. 
       O esporte, do mesmo modo que a política e a cultura, é um fenômeno social gerador de histórias; e não há histórias no esporte sem personagens, os ídolos responsáveis por inspirar as próximas gerações. Peyton Manning ainda não anunciou se irá se aposentar ou continuará "mitando", mas a passagem do bastão já aconteceu, ontem, no Levi's Stadium. Mesmo frustrado pela derrota, o jovem Cam Newton, de 26 anos, consolidou o status de ídolo. Ele é um quaterback de estilo de jogo inovador e ganhar um Super Bowl pode ser apenas uma questão de tempo. É o esporte se reinventando. Se o futebol americano cresceu em 800% sua audiência no Brasil nos últimos 4 anos e se foi registrado o recorde de menções nas redes sociais  do Brasil sobre a decisão, realizada em pleno domingo de Carnaval, é porque os craques em campo nos emocionam. Precisamos agradecer a eles por tamanho feito.
       A próxima temporada, para desespero dos fanáticos pelo esporte, só começará em setembro. A boa notícia, como diz o narrador Everaldo Marques é que, "mais cedo ou mais tarde, setembro sempre chega."

*Leia mais sobre o assunto:


                                                        Mattheus Reis 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O apelo de Dilma

                                    Por um 2016 menos frustrante

Súplica: Presidente Dilma Rousseff pediu a
 colaboração dos parlamentares para aprovar
medidas que livrem a economia da crise.
       Para a economia brasileira, 2015 foi um ano difícil, e não foi preciso recorrer a especialistas no assunto para constatar isso: cerca de 91% dos brasileiros reduziram o consumo de bens e serviços no ano passado, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Data Popular. O Brasil e a caótica Venezuela foram os únicos países da América Latina a registrarem crescimento do PIB negativo em 2015 segundo o Fundo Monetário Internacional. A inflação brasileira alcançou dois dígitos (10%), o que não acontecia desde 2002. O “FIES”, o “Minha Casa, minha vida” e o “PRONATEC” sofreram cortes no orçamento. Todo este cenário marcado pela retração econômica e por dúvidas sobre a continuidade de programas sociais, cujos benefícios foram de extrema importância para muitos brasileiros, exigirá que 2016 seja um ano de ajustes estruturais para que o caminho do crescimento econômico aliado ao desenvolvimento social de parcelas menos favorecidas da sociedade volte a ser trilhado.
       A partir de 2002, passou a ser executado com maior ênfase um planejamento de governo que buscou conciliar interesses de movimentos sociais e as demandas dos principais agentes econômicos do país (banqueiros, empresários, industriais e agropecuaristas). O “Bolsa Família”, por exemplo, ganhou novo formato, ao ponto de conquistar a chancela da ONU de referência mundial no combate à miséria. No entanto, à medida que os investimentos na área social cresciam, os desafios para garantir sua continuidade se tornavam mais complexos.
       Apesar arrecadar trilhões provenientes de impostos, o governo brasileiro, em suas esferas federal, estadual e municipal administra, como se sabe, a verba pública de maneira ineficiente, o que causa, por sua vez, repulsa dos cidadãos quando propostas como a da recriação da CPMF entram na pauta política. Não só a corrupção contribui para o dinheiro público ir, em parte para o ralo mas também a falta de planejamento na gestão da máquina pública e o desperdício. 2015 foi o momento em que a conta não fechou e por isso foi um ano traumático. Já em 2014, alguns indícios do que estaria por vir foram percebidos, como o crescimento de 2,2% nas vendas do comércio, o mais baixo desde 2003 mas, em período eleitoral, Dilma e sua equipe econômica adiaram as mudanças necessárias para amenizar uma crise. O “remédio” seria amargo e, com isso, a reeleição corria perigo; uma estratégia já praticada muitas vezes por integrantes da classe política, no Brasil e no mundo. 
       Em meio às dificuldades internas já existentes na condução da economia, o atual momento de queda nos preços das commodities, sobretudo o petróleo, comprometeu ainda mais a arrecadação federal e de estados cuja maior parcela do PIB depende dos preços do barril de petróleo, como o Rio de Janeiro. As oscilações nos preços das commodities estão intimamente associadas a questões geopolíticas que pouco têm a ver com o que acontece no Brasil, mas interferem na economia pois dificilmente conseguem ser controladas. Embora seja sempre necessária a diversificação da produção nacional, não é possível excluir o peso do agronegócio e da exploração de petróleo, ainda mais com a descoberta dos campos de pré-sal.
       A necessidade de mudanças estruturais implicou, na semana passada, a convocação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social por Dilma Rousseff após 2 anos sem ser realizado. Nele, empresários, sindicalistas, ONGs, ministros e a própria presidente apresentaram alternativas para a retomada da estabilidade econômica. Na rodada de debates do encontro, um passo inicial para reajustar as contas públicas foi dado: o interesse do governo em implementar uma reforma da previdência.
       Desde o início do século XXI, avanços na qualidade de vida da população foram alcançados apesar de estarmos aquém dos países mais desenvolvidos do mundo. Uma das melhorias verificadas foi o aumento na expectativa de vida, que pulou de 70,2 anos, em 2000, para 75,2 anos em 2015. Conforme a população foi envelhecendo e a reposição de trabalhadores no mercado de trabalho não manteve o ritmo por conta da queda na taxa de natalidade no Brasil, a previdência nacional passou a ter maiores custos com as remunerações de aposentados do que a arrecadação de impostos proveniente dos trabalhadores na ativa, isto é, a População Economicamente Ativa (PEA). A intenção do governo é equilibrar esse déficit e, assim, ter maior fôlego financeiro para retomar os programas sociais.
       Entretanto, é difícil para o trabalhador, que enfrenta uma jornada diária exaustiva por conta da infraestrutura deficiente de transportes, segurança e habitação nas grandes cidades, encarar a realidade cada vez mais iminente de trabalhar e contribuir para a Previdência Social  por mais tempo para, em troca, obter a aposentadoria, mas a reforma da previdência é importante a longo prazo desde que benefícios trabalhistas e sociais não sejam comprometidos. A presidente Dilma Rousseff sabe que está começando mais uma batalha cujo sucesso dependerá de um longo período de negociação com o Congresso Nacional e Centrais sindicais para que se alcance um consenso e a proposta seja, enfim, aprovada. Por isso, em um gesto incomum, compareceu, na última terça-feira, à cerimonia de abertura do ano legislativo, na Câmara dos Deputados, e pediu a colaboração dos parlamentares.
       Se for comparada com a recessão enfrentada pelo Brasil nos anos 1980 e 1990 (inflação média de 366,5%/ano, PIB médio de 2,27%/ano e desemprego médio de 7%/ano), o desempenho da economia na governo Dilma (inflação média de 6,93%/ano, PIB médio de 1,45%/ano e desemprego médio de 6,1%/ano – Dados: IBGE) é preocupante embora o ganho de renda da população na última década torne o cenário social menos grave (em 2011, 13,6% dos brasileiros estavam abaixo da linha da pobreza enquanto 4,9% se mantêm nessa situação atualmente segundo o Banco Mundial). Mesmo assim, não há como eximir o governo da responsabilidade de corrigir seus erros. Após um período de esperança cujo marco foram as vitórias do país nas disputas para sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, a missão atual é retirar o país da beira do precipício e reconduzi-lo ao protagonismo econômico de 2009 e 2010, quando os BRICS (Brasil, Rússia, India, China e África do Sul) foram apontados por muitos especialistas econômicos e geopolíticos como o conjunto de nações que a médio prazo dinamizariam e fortaleceriam o mercado mundial. Já passou da hora de corresponder às expectativas, evitando, mais uma vez, frustrações. 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Um oásis para poucos

                                   Não somos intocáveis.
      

Tentáculos: a falta de uma regulação possibilitou
 o surgimento de "Impérios da mídia" no Brasil.
       A eleição, mesmo que indireta, de um presidente civil, em 1985, e a proclamação, em 1988, de uma Constituição democrática e vigente até hoje determinaram o início da redemocratização da sociedade brasileira após mais de duas décadas em que o país viveu sob regime de exceção. Dentre as principais mudanças proporcionadas pelo fim da Ditadura Militar está uma maior liberdade à atuação da imprensa, livre definitivamente de censuras institucionalizadas pelo Estado. No entanto, o fato de a mídia brasileira estar, principalmente na radiodifusão, concentrada nas mãos de poucos e atrelada a interesses econômicos constitui um entrave à universalização da informação e à democratização da sociedade por completo.
       O último relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a indústria da comunicação no Brasil, com dados de 2011, aponta uma movimentação de aproximadamente R$ 120 bilhões brutos na economia por esse setor naquele ano. A comunicação é um dos ramos mais concentrados do mercado brasileiro e essa constatação não é exclusiva do país, mas de qualquer outro cuja regulação sobre o tema também seja caracterizada como “branda” e “permissiva” por defensores de uma mídia "mais aberta à diversidade de costumes e ideias e à produção independente e regional".
       A Constituição nacional dedica um capítulo exclusivo, o quinto, à Comunicação Social. O parágrafo 5º do Artigo 220 destaca que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Por outro lado, questões que vão desde as regras de controle sobre ações societárias, fusões até a definição de percentuais de conteúdos regionais e de produção independente na grade de programação das emissoras de radiodifusão, por exemplo, não são rigidamente fiscalizadas, sendo necessária a elaboração de uma regulamentação específica e proposta pela própria Constituição no parágrafo 3º do artigo 222.
       Geograficamente, a concentração de mídia adquire uma de suas faces mais visíveis. No estudo pioneiro desenvolvido a partir de 2002 pelo site 'Donos da Mídia', foi constatada, no sudeste, a presença de uma parcela (20,65%) dos veículos afiliados às grandes empresas de comunicação atuando em uma região cuja riqueza gerada alcança a marca de 54% do Produto Interno Bruto e cujo potencial de consumo de sua população é o maior do país (49%) (Fonte: IBGE/PNAD-2014 e IPC-maps 2015).
       No entanto, segundo o mesmo estudo, 60% dos veículos filiados, que atuam nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, disputam um mercado consumidor menos dinâmico, responsável por gerar apenas 28,7% do PIB e cujo potencial de consumo alcança 33,4%, no somatório dos indicadores de cada uma das regiões.
       Existem exceções a esse cenário, e as explicações estão atreladas à influência de “caciques políticos”. No Maranhão, estado cuja contribuição para o PIB é de apenas 1,3% e reduto da família Sarney, 43 veículos são filiados a grandes redes nacionais; quatro destes são de propriedade de Roseana Sarney, filha do ex-presidente da República José Sarney. A situação se repete em outras regiões do Nordeste, como na Bahia e em Alagoas, onde as famílias Magalhães e Collor, respectivamente, mostram sua força política local e nacionalmente. Minas Gerais, por sua vez, lidera o ranking de quantidade de políticos envolvidos em atividades societárias na comunicação (38).
       Esse é um indício da sobreposição da lógica política à econômica: em um contexto em que é inviável a sobrevivência de tantas emissoras e publicações de comunicação sem uma demanda correspondente, verbas públicas são alvos de desvios com o intuito de manter o “coronelismo” e uma rede de interesses com base nos meios eletrônicos, o que desvirtua os princípios éticos do jornalismo.
       A sociedade civil, por meio de organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, busca agendar, no debate público, o tema da regulação sobre a mídia brasileira. Para isso, o FNDC se inspira em uma legislação semelhante e em vigor na Argentina há 2 anos, a 'Lei dos Meios', e no 'Marco Civil da Internet', pioneiro no mundo, aprovado pelo Congresso Brasileiro no 1º semestre de 2014 e que estabeleceu um conjunto de regras a serem seguidas por usuários, empresas e provedores na grande rede de computadores através de princípios como o da “neutralidade de conteúdo e acessibilidade". Há avanços na América Latina em relação a essa questão, com vários países tendo aprovado, nos últimos anos, leis para meios de comunicação públicos, comunitários e alternativos, mas a busca por garantias financeiras para a sobrevivência de vozes dissonantes da lógica do mercado se transforma em uma guerra invisível nos noticiários.
       O ponto-chave neste debate é a desmistificação do argumento segundo o qual qualquer regulamentação sobre a organização empresarial dos conglomerados de mídia configura-se, de imediato, em censura institucionalizada. O Estado brasileiro tem a prerrogativa constitucional de conceder autorização para o funcionamento de rádios e canais de TV aberta, ou seja, a palavra final sobre a atuação da mídia no país é legalmente oriunda do poder público. Por conta da falta de fiscalização e de punição sobre contratos indevidamente firmados nos negócios de mídia, impérios formaram-se, nos quais Record, Band e, sobretudo, Globo possuem vários sites, canais, rádios, jornais e revistas líderes em acessos, audiência e tiragem.
       Em um país cuja cultura é tão vasta, não é saudável intelectualmente para a população assistir a novelas que, na maioria dos casos, retratam uma realidade socioeconômica de apenas uma região - a sudeste - e também a telejornais cujos princípios editoriais estão alinhados a uma perspectiva política e econômica voltada prioritariamente para a manutenção de um pequeno segmento social em seu status de privilégio e influência. Apesar de sermos brasileiros, não conhecemos plenamente o Brasil, e a mídia tem a sua parcela de responsabilidade. O que é noticiado pode até ser verdade, mas, tenha certeza, não é o ponto final em fatos e histórias que podem ter muitas versões coerentes não divulgadas.
        Aproveito a oportunidade para fazer essa análise independente enquanto não integro a equipe de um grande veículo de comunicação. Espero estar enganado, mas, quando isso acontecer, provavelmente serei silenciado algumas vezes. Nada mais paradoxal do que a grande mídia, uma "ferrenha defensora da liberdade de expressão e da transparência", determinar quais assuntos e opiniões podem ir para o ar ou para as páginas. Talvez essa "censura", cada vez mais percebida pelo público, seja um dos fatores cruciais para a desvalorização da carreira de jornalista atualmente. O jornalismo envolve a reputação de pessoas, empresas e instituições, e a sua abrangência, possibilitada pela globalização, impõe uma missão imensa a quem está envolvido com a profissão. O prestígio e a credibilidade conquistadas pela imprensa não a deixa acima da fiscalização, da crítica e da lei.



                                                               Mattheus Reis