segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Pseudo-sábios

                                                      Nelson tinha razão.


     "Você não se arrepende de ter votado nela?"


     Quem digitou o número 13 nas urnas, em outubro de 2014, para escolher o futuro do Brasil já deve ter ouvido essa pergunta desde então, assim como já deve ter feito um exame de consciência para avaliar se tomou a decisão correta. Arrepender-se ou não de ter reeleito Dilma Rousseff é um posicionamento que diz respeito a cada eleitor, uma preferência pessoal que deve ser respeitada.
     O momento de instabilidade política, que desemboca nas crises econômica e social, deve-se em grande parte, aos erros cometidos pelo governo, seja em questões administrativas ou éticas. Não dá para negar o fato do PT ter deixado de lado alguns de seus princípios históricos quando assumiu o poder, da mesma forma que outros partidos no Brasil e no mundo fizeram, frustrou as expectativas de militantes e simpatizantes petistas à medida que as prisões de quadros de influência no partido, como José Genoíno, José Dirceu e Delcídio Amaral, mais recentemente, foram decretadas em meio ao escândalo do mensalão e às investigações deflagradas pela operação "Lava-jato". 
       Independentemente dos muitos acertos e erros durante os 13 anos de governos Lula e Dilma, é preciso alertar para um fato preocupante para a democracia. Diante da recessão econômica, da insatisfação da oposição em ter perdido sua quarta eleição consecutiva para o PT e da tramitação do processo de impeachment contra a presidente, quem mantém seu posicionamento favorável à Lula e Dilma está gradativamente sofrendo uma marginalização no debate público e político, como se "nada tivessem a contribuir em um momento no qual a reflexão e o diálogo são imprescindíveis. 
       Esses segmentos políticos cada vez menos possuem espaço para expor e propor ideias nos grandes veículos de comunicação e nas redes sociais, e os exemplos disso são o pré-julgamento feito por grande parte da sociedade sobre o ex-presidente Lula, antes mesmo de qualquer condenação da justiça, os já conhecidos estereótipos sofridos por movimentos sociais defensores de questões-chave na realidade brasileira, como a desconcentração de terras rurais e o constante diálogo entre empregadores e empregados nas relações trabalhistas, e a tramitação de projetos no congresso tidos como regressivos - flexibilização do estatuto do desarmamento, da demarcação de terras indígenas e a das leis trabalhistas.  
       Nas redes sociais, o que se veem são críticas e "memes", alguns deles até bem-humorados, mas que pouco contribuem na tarefa de aprofundar o debate sobre como superar de maneira consistente uma situação difícil, principalmente para as classes "C" e "D", e, assim iniciar um novo ciclo de desenvolvimento sustentável econômica e socialmente. Cresce uma massa de oposição à condução do país dentro e fora da classe política, que, no entanto, esbarra na falta de um projeto coerente e eficaz para os brasileiros. Muitos creem que tal projeto atenda pelo nome de "impeachment", um sinal da pobreza intelectual e do imediatismo diante de reformas muito mais complexas no próprio sistema político voltadas para garantir maior transparência e agilidade às atividades do Legislativo e do Executivo, conceder mecanismos mais amplos de participação popular nas decisões políticas e combater o autoritarismo presente em atitudes de quem ocupa o poder, como as praticadas excessivamente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com a finalidade de retardar ao máximo o seu iminente afastamento do cargo e a consequente cassação de seus direitos políticos.  

Moda radical: discurso pregado por
 conservadores não estimula em debate
produtivo para construirmos o Brasil
do futuro.
     Esse cenário de questionamento ao governo, aliado à ausência de soluções vindas da situação e da oposição, cria um terreno fértil para o radicalismo proposto por nomes como o do deputado Jair Bolsonaro, do economista Rodrigo Constantino e da jornalista Rachel Sheherazade ganhar notoriedade e eles passarem a ser vistos como "os donos da verdade" em uma doutrinação às cegas. Embora esses tipos de discurso, sejam de direita ou de esquerda, tenham o amparo da imprescindível liberdade de expressão, a retórica existente neles contribui para a perda da coesão social e para a eclosão de conflitos violentos entre manifestantes pró e contra Dilma Rousseff. No momento atual, em que restam poucos argumentos racionais, o discurso do ódio virou moda ao ponto de ouvirmos constantemente "bizarrices" como "Dilma vai levar o país rumo ao comunismo", "Dilma deveria ir para o corredor da morte ao lado de Marco Archer" (brasileiro condenado à pena de morte na Indonésia por tráfico de drogas), "Ela é uma vaca, vadia", "Presidanta" e "Hey, Dilma, vai tomar no c...", cantado em coro pela torcida presente na Arena Corinthians, na partida de abertura da Copa do Mundo de 2014. 
     Grande ícone da literatura e da dramaturgia brasileiras, Nelson Rodrigues estava certo quando idealizou a famosa expressão "complexo de vira-latas", lamentando e criticando a capacidade do brasileiro em se rebaixar. De fato, nos rebaixamos ao ponto de denegrir toda a autoridade, dignidade, integridade e sentimentos pessoais de uma Presidente da República e, acima de tudo, mulher, goste você, leitor, dela ou não. Um comportamento equivocadamente apoiado em comentários de redes sociais e que evidencia problemas graves em nossa sociedade, como o machismo. Ainda bem que aquele indiano magrinho de óculos, o pastor americano sonhador que discursou em Washington para uma plateia de 200 mil pessoas e o outro Nelson, o sul-africano ganhador do Nobel da Paz em 1993, não estão vendo isso depois de tantos sacrifícios feitos por eles para nós.
     Como nós, brasileiros, podemos ser tão carismáticos e irreverentes no Carnaval, por exemplo, e, ao mesmo tempo, sermos tão raivosos? Está lançado o desafio para os gênios vivos da psicanálise. Se o Brasil não der certo e o sonho de Darcy Ribeiro não se concretizar, a grande culpada não será Dilma: apesar de sempre buscarmos em nossos fracassos um "bode expiatório", ela ficará até 2018 apenas; já essa forma desrespeitosa e intolerante de pensar e agir...

     Sobre aquela pergunta no início do texto, minha resposta é "não". O embate de ideias entre os candidatos nas eleições de 2014, os erros e acertos cometidos por qualquer político e partido que esteja no poder e a minha interpretação sobre a realidade brasileira foram os responsáveis por reeleger Dilma Rousseff. Qual o problema? Vou sofrer impeachment por causa disso?

                                                                    Mattheus Reis

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