segunda-feira, 27 de março de 2017

Com 60 anos, a União Europeia ainda tem fôlego para evitar sua explosão?

     As duas Guerras Mundiais - causadas pelo ultranacionalismo, autoritarismo, xenofobia e por uma acirrada competição entre as potências europeias por mercados - foram traumáticas o bastante para os líderes de um continente até então arrasado perceberem que novos princípios deveriam nortear relações políticas e econômicas. A Europa aceitou no pós-guerra o desafio de se lançar em uma jornada na qual a integração e a diplomacia seriam as "armas" da vez. Evitar a trilogia de um horror que já havia vitimado milhões na primeira metade do século XX era um consenso humanitário.
      Além disso, a ascensão da União Soviética como superpotência política, econômica e militar após 1945 era um componente que jamais poderia ser desconsiderado numa Europa em que os ideais socialistas tinham potencial para mobilizar as classes mais pobres em meio ao caos da época. Os 120 bilhões de dólares do Plano Marshall (valores atuais) catalisaram, por sua vez, a integração europeia, sendo a criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE) a primeira grande iniciativa nesse sentido, em 1957. A assinatura do Tratado de Roma por Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo, que oficializou a CEE, completou 60 anos no último sábado.
      Esse acordo comercial, visto há seis décadas como inovador, é, hoje apenas um dos pilares de sustentação do gigantismo e da complexidade não só da União Europeia, mas também do sentimento de ser europeu, acima das nacionalidades. A livre circulação de pessoas entre as fronteiras, a criação do Euro como moeda única e a adequação das legislação de cada Estado-membro a uma Instituição política superior, comum e supranacional, o Parlamento Europeu, levaram o continente a um período de estabilidade e prosperidade para grande parte de sua população.
      No entanto, esse progresso camuflou falhas na formação e, sobretudo, na expansão da União Europeia, assim como nos cegou por muito tempo em relação às forças políticas cujo intuito é reverter drasticamente esse avanço civilizatório e que sempre estiveram presentes no cenário político do continente, mesmo com influência reduzida em alguns momentos. Expandir as fronteiras do bloco para além dos países que, historicamente, impulsionam o crescimento da região (França, Itália, Alemanha e Reino Unido) paradoxalmente uniu e criou um abismo. Chegou-se à marca de 28 Estados-membros da União Europeia em 2014, mas alguns deles, como Grécia, Portugal, Espanha e os do leste europeu (antigas áreas de influência da URSS durante a Guerra Fria), incorporados nos anos 1990 e 2000, possuem até hoje uma capacidade econômica menor e frágil. Isso não foi solucionado.
      Quando a crise econômica e financeira de 2008 nos EUA atravessou o Oceano Atlântico e bateu à porta do velho continente, os "gigantes" do desenvolvimento europeu precisaram socorrer os "nanicos" para que o bloco não explodisse, o que não agradou a praticamente ninguém. Cidadãos alemães, franceses e ingleses cada vez mais se mostravam insatisfeitos com o fato de o dinheiro de seus impostos ser transferido para evitar a falência de gregos e espanhóis, por exemplo, que amarguravam taxas de desemprego de 25% entre 2010 e 2011. Por outro lado, os empréstimos bilionários cedidos aos países que sofreram primeiro os impactos daquela crise exigiam, como troca, reformas drásticas de austeridade, que cortavam direitos nas áreas trabalhista e da previdência social.
      Estava plantada, portanto, a semente para as forças políticas até então ocultas desabrocharem: os partidos de extrema-direita, com seu discurso de oposição ao bloco ganharam força tanto na França e Inglaterra, como na Grécia. A partir de 2009, a Europa começou a mostrar sua outra face, que remonta aos tempos de guerra: a face do "cada um por si". A crise migratória, acentuada em 2015 por conta da guerra civil na Síria, e o terrorismo do Estado Islâmico deram mais força e popularidade aos líderes dessas correntes políticas, como Marine Le Pen, na França, que neste momento é a segunda colocada na corrida presidencial francesa, cuja votação ocorre em maio. O "Brexit", a primeira saída de um Estado, o Reino Unido, da União Europeia na história, já foi a primeira e irresponsável consequência dessa crise que o bloco atravessa.

Fonte: Pew Research Center. Divulgação: Revista "Exame"

     Não dá para negar: a Europa está em contradição e os pilares de sua integração, frágeis. Fronteiras dos países-membros da União Europeia ficaram fechadas para evitar a entrada de refugiados, ignorando o princípio da livre circulação de pessoas estabelecido a partir de 1985. O medo do terrorismo é real, mas não serão fronteiras abertas a causa de mais mortes. O terrorismo atualmente está em outro patamar, o virtual. A propaganda de grupos terroristas está formando seus "soldados" em seus próprios países. A Europa, por conta do envelhecimento de sua população, apresenta défcit de cerca de 800 mil trabalhadores. Os refugiados poderiam ser a solução não só para preencher estes postos de trabalho vazios, mas para turbinar o crescimento do bloco, estagnado nesta década. Tudo isso não está sendo encarado da forma correta.
       Mesmo em xeque, os líderes da União Europeia ainda estão com uma margem de manobra para evitar um colapso do bloco. Apesar de Trump ter vencido ano passado nos EUA, os políticos alinhados a ele na Europa não devem obter vitórias em eleições marcadas para este ano. É um fôlego a mais para mudar o destino de um projeto de 60 anos. Se, em 1945, evitar um novo e sangrento conflito de grandes proporções logo após a Segunda Guerra Mundial era um consenso, esse pacto ainda precisa estar de pé porque a União Europeia pode ter seus defeitos, mas é, acima de tudo, um esforço pela paz, como mostra o gráfico abaixo:

Fonte: Comissão Europeia. Gráfico traduzido do Inglês para o Português

                                                              Mattheus Reis
       
                     

terça-feira, 21 de março de 2017

Temer, suas reformas caóticas e a socialização das perdas

    O governo Temer corre contra o tempo para se salvar. Os dez meses de sua gestão tiveram como sombra a ameaça de colapso por conta da Lava-Jato e da possível cassação de seu mandato pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O senador e aliado de Temer, Romero Jucá, foi enfático: para ele, parte da classe política envolvida em corrupção, da qual Jucá provavelmente é membro de carteirinha, está "em guerra" para não cair no precipício. Neste "salve-se quem puder", fica cada vez mais claro que, além das tentativas de anistiar o "Caixa 2", a rápida aprovação das danosas 'reformas' econômicas é uma das últimas cartadas de Temer para sustentar o mínimo de apoio da classe política, totalmente pragmática e sem fidelidade, dos grandes veículos de comunicação e da comunidade empresarial.

Frágil: Temer era apontado como hábil conciliador, mas está claro que só a aprovação 
 das reformas lhe dá o mínimo de sustentação em meio à Lava-Jato, TSE e impopularidade.

     O teto de gastos já foi sancionado em janeiro e, para completar a tríade do pacote econômico, faltam as alterações nas atuais legislações trabalhista e da previdência. Apesar da resistência vista nas manifestações da última quarta-feira e da possibilidade de parlamentares tanto da oposição quanto da situação tentarem alterar as propostas iniciais do Palácio do Planalto, as 'reformas' avançam nas comissões antes das votações na Câmara e no Senado.
      Assim, se caminha não só em direção à perda de direitos dos cidadãos, mas também rumo a armadilhas que comprometerão a capacidade do atual e de futuros governos em cumprir suas obrigações administrativas e fiscais. No entanto, a propaganda, área em que o governo Temer, apesar da crise, aumentou seus gastos em 27% em novembro e dezembro de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015, segundo a Secretaria de Comunicação Federal, tenta dizer de modo massivo, simplista e ameaçador de que há por trás de tudo isso o "compromisso com o equilíbrio fiscal e a manutenção de direitos". Caso contrário, "acaba tudo".
      Como se sabe, o teto de gastos congelará o orçamento total do governo federal pelos próximos 10 anos, podendo esse prazo ser prorrogável por mais 10. Consequentemente, ficam estagnados os investimentos públicos e a geração de empregos, independentemente se o Produto Interno Bruto (PIB) voltar a crescer. Portanto, a taxa de desemprego, hoje em 13%, tende a se manter em patamares elevados, distantes dos 4,5% em dezembro de 2014, o menor índice desde março de 2002, de acordo com o IBGE.
     A entrada em vigor do teto obriga um corte nas áreas sociais. Já que a educação, a saúde e o bolsa-família possuem piso, ou seja, um limite mínimo de investimentos anuais, a Previdência Social passou a ser o primeiro alvo da tesoura. Idade mínima de aposentadoria aos 65 anos - em um país onde 19 cidades possuem expectativa de vida equivalente - e 49 anos de contribuição para aposentadoria integral são os principais pontos, enquanto o governo negligencia e não cobra mais de 500 empresas que, juntas, devem R$ 426 Bi ao INSS, quase o triplo do rombo de R$ 150 Bi da Previdência. 
    As novas regras, se adotadas, transformarão a Previdência brasileira na mais rígida do mundo, o que inibe os cidadãos de contribuírem para o sistema público de aposentadorias. Treze milhões de pessoas estão sem emprego, a renda mensal das famílias, em 2016, caiu 7,5% em relação a 2015. O dinheiro está sendo usado nestas famílias cada vez mais para manter itens fundamentais de consumo, como alimentos e remédios, e se torna inviável aumentar o valor e o tempo de contribuição para o INSS, como deseja Temer. Quem pertence às classes A e B poderá recorrer à previdência privada, dos bancos (esse também é um dos objetivos dessa 'reforma'). Já no setor público, porém, a demanda por aposentadorias aumentará em decorrência do envelhecimento da população, mas a arrecadação do INSS não será suficiente. A conta não fechará no azul se a equação aplicada for a que está sendo planejada pela equipe comandada pelo Ministro da Fazenda Henrique Meirelles.
     Mais uma vez, o erro se repete. Em recente entrevista, a ex-presidente Dilma Rousseff admitiu que não deveria ter concedido tantas isenções de impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Não cobrar esses impostos das empresas, à época, diminuiu a arrecadação e não resultou na geração de empregos, como se previa. Pelo contrário, a renda se concentrou. O Rio de Janeiro enfrenta a mais grave crise econômica na história por conta de um total de R$ 151 Bi não-arrecadados segundo o Ministério Público. Dava-se a isenção em troca de doação para campanha. Agora, Temer "esquece" os já mencionados R$ 426 Bi que deveriam ir aos cofres da Previdência e acabar com seu rombo. 
     Nos dicionários, "Reformar" significa, "reorganizar", "renovar", "MELHORAR". Dá para perceber que esse pacote (Teto de gastos, Reforma da Previdência e Reforma Trabalhista), extremamente agressivo aos mais pobres e considerado inconstitucional pela Organização das Nações Unidas, Procuradoria Geral da República e Ministério Público do Trabalho, não é a melhor e, muito menos, a única saída. É reflexo de um governo desconectado da realidade, alheio às dificuldades atuais de seus eleitores, além de ilegítimo democraticamente. Mas o que esperar de um frágil líder a não ser frases como "Quem reclama da reforma da previdência é quem ganha mais" e "Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes de preços nos supermercados do que a mulher"? Pelo menos, espero que ele tenha visto a quantidade de mulheres e trabalhadores nas ruas há uma semana e que não querem engolir uma dose "cavalar" desse remédio amargo, cujos efeitos colaterais são o crescimento da desigualdade social e o desprezo por direitos.

                                                                  Mattheus Reis