segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Euro coroou o passado e o presente de Portugal

               As lágrimas de um país inteiro.



      Bem-vindo ao clube: Portugal era até
ontem a única seleção de considerável
prestígio no cenário europeu a não
ter títulos. O fim do tabu veio com
 o 1 a 0 sobre a França.
     O velho continente enfrenta um dos mais difíceis momentos de sua história recente. O terrorismo, a crise migratória, as ainda elevadas taxas de desemprego decorrentes da crise econômica de 2008 e o nacionalismo exacerbado de partidos de extrema-direita, que cada vez mais ganham terreno na política, criaram um cenário complexo de tensões, cujo marco foi o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida no final de junho. Para os franceses, anfitriões da Eurocopa, o torneio e o título da sua seleção seriam uma forma de amenizar o orgulho ferido por conta dos atentados em Paris no ano de 2015 e dos problemas internos, acentuados recentemente com o polêmico projeto de reforma trabalhista defendido pelo governo do presidente François Hollande.
  Nesse contexto, o futebol e os megaeventos esportivos não são fatores responsáveis por alienação. Pelo contrário, buscam resgatar, mesmo que por um período curto, a alegria, a união e o respeito, tão importantes quanto o legado estrutural que megaeventos podem proporcionar. Durante a Eurocopa, as brigas entre torcedores de várias seleções mostrou que esse grupo minoritário que partiu para confrontos violentos é reflexo de um posicionamento radical que sempre existiu na Europa, transcende o esporte e cresceu nos últimos anos. No entanto, à medida que as partidas aconteciam, o protagonismo do futebol se evidenciou com as atuações de gala de Griezmann, Bale, Buffon, Cristiano Ronaldo, entre outros, e das torcidas, como as da Islândia e da Irlanda, colocando a essência do esporte no seu devido lugar. O esporte se tornou tão competitivo, tão racional a ponto de perder seu caráter humano que, às vezes, nos esquecemos de um de seus elementos centrais: o poder de emocionar. 
     O sonho francês de ganhar mais um título no futebol como anfitrião, após as conquistas da Eurocopa de 1984 e da Copa do Mundo de 1998, permaneceu com grandes chances de se realizar até ontem. A vitória sobre a Alemanha alçou a França ao patamar incontestável de favoritismo na final. Portugal, entretanto, também tinha um sonho: a seleção que revelou ao mundo, em diferentes épocas, ícones como Eusébio, Figo, Deco e Cristiano Ronaldo era a única de considerável prestígio no cenário europeu que jamais alcançara, até então, um título capaz de a levar à elite do futebol europeu, tendo oportunidades para isso, mas que não se concretizaram. O vice-campeonato na Eurocopa de 2004, em casa, foi a bola na trave mais dolorida. De fato, a geração de Cristiano Ronaldo alcançou, 12 anos depois, um feito que as de Eusébio e Figo não conseguiram, mas este é um prêmio em reconhecimento a tudo o que os craques lusitanos do passado possuem de legado; uma compensação pelas incoerências do futebol.    
     O título de expressão não havia sido conquistado até então provavelmente pelo fato de Portugal - da mesma forma que qualquer outro país - precisar não apenas de craques, mas de um time, que não obrigatoriamente tem de ser espetacular. Basta ser corajoso e equilibrado diante dos altos e baixos existentes em uma partida para ter 0,1% de chance. Por isso a Islândia foi tão longe na competição e País de Gales chegou às semifinais. Foi assim que Portugal se comportou na decisão.
        As lágrimas de Cristiano Ronaldo, ainda na primeira metade do primeiro tempo, ao perceber a impossibilidade de permanecer em campo também poderiam ser as de uma derrota antecipada. Afinal de contas, o líder foi abatido, pelo menos dentro das quatro linhas, após uma dividida com o meio-campistas francês Payet. A partir de então, vimos, pela primeira vez em anos de Cristiano Ronaldo vestindo a camisa da seleção, Portugal atuar como "time", no sentido mais claro da palavra. Com muito sacrifício, sorte e organização, os jogadores portugueses resistiram à pressão francesa durante os 90 minutos. 0 a 0.
     A prorrogação foi o "Dia D" versão portuguesa. Se em 1944 o dia do desembarque das tropas aliadas na Normandia foi, assim como a Batalha de Stalingrado, um dos momentos decisivos para a reviravolta na Segunda Guerra Mundial, os 30 minutos de tempo extra no Stade de France marcaram a virada a favor de Portugal no jogo. O gol de Éder arrancou da garganta dos portugueses tudo o que estava entalado no futebol: decretou o a primeira vitória de Portugal sobre a França desde 1973, devolveu aos portugueses o que a Grécia lhes tirou em Lisboa 12 anos atrás, um título que muitos lusitanos achavam que não conquistariam mais a partir do momento em que o craque se estirou no gramado e saiu impotente em uma maca. Pobre Cristiano, mal sabia que seus companheiros fariam ele e um país inteiro chorar muito mais naquela noite... mas de alegria.


                                Mattheus Reis.