domingo, 25 de outubro de 2015

Sonho realizado


                             Ser veloz não é o bastante


Casamento perfeito: Hamilton agradece ao carro
 por realizar o sonho de ser tricampeão mundial.
       Ele sempre declarou seu fascínio por Ayrton Senna e o seu sonho era o de, um dia, igualar os feitos do brasileiro. Lewis Hamilton sabe que ninguém conseguirá por fim ao reinado do tricampeão mundial de Fórmula-1, uma unanimidade entre os fãs da velocidade. Hoje, no entanto, o piloto inglês ficou mais próximo de seu grande ídolo de infância. Hamilton, agora, também é tri, assim como Senna. A realização do sonho veio com a vitória no Grande Prêmio dos EUA. Com três corridas de antecedência, tivemos a confirmação de que o ano de 2015 já estava reservado para o sucesso do dono do perfeito carro número 44.
       Mesmo tendo como compatriotas os lendários Nigel Mansell, James Hunt e Jack Brabham - todos eles também campeões mundiais - Hamilton é o inglês mais vitorioso da Fórmula-1.  Com 43 triunfos em 8 anos de carreira, só está atrás do francês Alain Prost (51 vitórias) e do alemão Michael Schumacher (91 vitórias).
       O fato do campeonato ter se definido com tamanha antecedência tem, a princípio dois motivos: não dá para negar o trabalho e o planejamento desempenhados de forma excepcional por Hamilton e por sua equipe, a Mercedes, durante todo o ano; por outro lado, isso é reflexo da desigualdade enorme de orçamento entre as scuderias. Enquanto Ferrari e Mercedes, as únicas equipes que venceram corridas nesta temporada, dispuseram, cada uma, de uma quantia de mais de 400 milhões de euros, a Marussia, tida como o time mais frágil da categoria se esforçou para montar um carro com aproximadamente 83 milhões de euros de acordo com a revista especializada AutoRacing. A falta de competitividade e de emoção foram visíveis em algumas corridas, o que é um sinal de alerta para eventuais mudanças nas regras o mais breve possível em busca de maior equilíbrio.
       A geração atual de pilotos é a melhor desde aquela que marcou o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990, quando Senna, Prost, Piquet, Mansell e o ainda novato M.Schumacher rasgavam o asfalto e travavam disputas memoráveis. Em 2015, Alonso, Button, Raikkonen, Vettel e Hamilton somam 11 títulos mundiais, algo raro de se ver. Todos esses pilotos da atual Fórmula-1 já demonstraram competência e habilidade, mas somente o recém-tricampeão teve condições de brilhar: um desperdício de talento que afasta os fãs. Os carros da Mercedes fizeram jus ao apelido de "flechas prateadas" e voaram; os outros apenas correram.       
       O debate para mudanças costuma ser lento e feroz. Quem tem dinheiro e está ganhando as provas resiste; quem deseja vencer, mas não consegue, exige alternativas. Para 2016, alterações mais significativas e que poderiam acarretar em mais ultrapassagens e diferentes estratégias, como o retorno do abastecimento durante as corridas e a entrada de mais empresas fabricantes de pneus, estão descartadas.
       Não deixa de ser frustrante ver que o mais difícil de acontecer - a formação de uma geração brilhante de pilotos - acaba sendo ofuscado pela falta de consenso e por interesses particulares que estão longe de desenvolver o esporte. A Fórmula-1 cresceu em altíssima velocidade nas últimas décadas, emissoras de mais de 150 países transmitem as corridas, o calendário se expandiu para outros continentes além da Europa, mas a sensação é a de que o motor engasgou, a audiência está caindo e a magia, se perdendo.
       A culpa não é de Hamilton. Ele é um resquício da magia; é habilidoso, ousado, e isso é o que queremos ver nas manhãs de domingo. Um piloto cujo fã é simplesmente Ayrton Senna já nasce com DNA de campeão. Entretanto, isso já não parece ser suficiente, hoje, para que os brasileiros voltem a acompanhar com o interesse de anos atrás a elite do automobilismo.   



*Leia mais sobre a conquista de Lewis Hamilton:



                                                                Mattheus Reis


segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Dois vilões

O texto a seguir foi escrito pela colunista do jornal "O Globo" Márcia Vieira, publicado na edição de 03 de outubro de 2015 e disponível em sua versão original em:
                
                                      Que PM é essa?
 
"Quem irá nos defender?": falta de estrutura, abusos,
 preconceitos e corrupção subvertem a função social
 da polícia militar no RJ e no Brasil.
       A Polícia Militar ocupou violentamente a alma do carioca esta semana. A sequência de atos dramáticos recentes começou com o assassinato de Bruno Rodrigues, policial da UPP da Formiga, torturado e arrastado por um cavalo até a morte em Nova Iguaçu. Dois dias depois, a face mais abominável da secular corporação foi exposta no vídeo do presumível assassinato do jovem Eduardo Felipe dos Santos, de 17 anos, no Morro da Providência, seguido da adulteração da cena do crime, cometida por cinco PMs. A selvageria prosseguiu com a morte de Caio César de Mello, 27 anos, numa troca de tiros, às 11 horas, no Complexo do Alemão. Sua morte ganhou repercussão internacional. Ele foi o dublador de Harry Potter na série de filmes e até J.K.Rowling, a criadora do jovem herói bruxo, lamentou a tragédia. Caio era policial por vocação e paixão.
       Para encerrar a crônica de absurdos, uma juíza foi agredida por policiais presos, irritados com o corte de mordomias no Batalhão Prisional de Benfica. A juíza foi defendida por outros PMs, desarmados, da sua escolta e que, por sua vez, foram atacados a pauladas. Afinal, que PM é essa em que convivem agressores e agredidos, assassinos e vítimas?
       Tão mal vista pela população por conta de pequenas falcatruas e grandes bandidagens cometidas por seus integrantes ao longo de décadas, ela é o alicerce da política de segurança instalada no Rio desde 2008. Quando foram criadas as Unidades de Polícia Pacificadora, um nome significativo, parecia que a limpeza nos quadros da PM e da Polícia Civil, com a expulsão dos maus elementos promovida pelo secretário José Mariano Beltrame, daria certo. Houve esperança de que o mantra dos cariocas “a PM não tem jeito” pudesse estar errado.
       A administração Beltrame fez mudanças na formação do policial, expulsou mais de mil e quinhentos policiais e atraiu gente que, em outros tempos, jamais se arriscaria a fazer parte da corporação. “Morreria feliz em combate”, respondia Caio quando a família insistia para que deixasse a PM. Ele acreditava que seu trabalho era proteger a sociedade e se orgulhava disso.
       Mas a impressão de que se está enxugando gelo voltou a se espalhar por uma parcela significativa da população a partir do desaparecimento de Amarildo, na Rocinha, em 2013, após ter sido detido por policiais da UPP. Será que a PM não tem jeito? O que fazer para que ela mude?
Claudio Beato, do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança da Universidade Federal de Minas, definiu a PM como uma caixa-preta. Diz que a sociedade sabe pouco sobre ela. “Acho simplista a tese de só culpar os maus policiais. O que falta é uma efetiva estrutura de controle. É preciso haver uma mudança institucional para que casos como o da Providência não voltem a ocorrer”, escreveu no GLOBO esta semana.
       Em agosto, uma pesquisa Datafolha, encomendada pelo Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, revelou que a Polícia Militar do Rio é a mais corrupta do país. O estado tem mais vítimas de extorsão policial do que todos os demais da Região Sudeste somados. Um resultado estarrecedor.
       Apesar disso, o programa das UPPs tem muitos pontos positivos. A questão, como é gritada aos quatro ventos pelo próprio secretário de Segurança, é que a polícia não pode agir sozinha. Sem a participação de outros setores do Estado, a polícia tende a se tornar, ela própria, um problema. Sua tendência é usar o instrumento com que está mais habituada, a violência. E neste caso, não há programa social que dê jeito. Cada vez que uma barbárie como a do Morro da Providência acontece o trabalho de anos retrocede. E, o que é pior, há quem clame por mais violência, criando um círculo vicioso sem possibilidade de um final minimamente feliz.
       Uma das mais frequentes críticas à política de segurança é que o treinamento dos novos policiais é precário e que eles já saem da academia direto para áreas com grandes possibilidades de conflito. A crítica pode ser justa. A questão é que não há como parar tudo e recomeçar do zero.
       Os conflitos explodem a todo momento. Muitas vezes são consequências de questões que ainda são discutidas pela sociedade. Por exemplo, a descriminalização do consumo de drogas e o estatuto do desarmamento.
       Uma música dos Titãs diz “Polícia para quem precisa de polícia”. É uma boa ideia, mas que sociedade, no mundo atual, não precisa de polícia? O importante é que a sociedade defina e lute pelo tipo de polícia que quer.
                                     -------------------------- // ----------------------------

*Leia mais sobre o assunto: