segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Um lugar ao sol

                                      Aquilo que, às vezes, não vemos


          O Brasil, ao longo das últimas décadas, vem apresentando um panorama de evolução positiva em seus indicadores socioeconômicos. Ainda assim, a desigualdade é perceptível para praticamente todos os brasileiros na vida cotidiana. Em um país de contrastes acentuados, os governos que se sucedem têm o dever de promover políticas de inclusão e de oportunidades para todos. A Lei de Cotas , que obriga todas as universidades federais a destinarem 50% de suas vagas para certos grupos de estudantes, é uma dessas medidas.
        A reserva de vagas nos vestibulares públicos para determinados grupos de estudantes, como negros, indígenas e matriculados na rede pública de ensino, enfrenta ressalvas de alguns especialistas e de outros estudantes que não se enquadram nessa política, responsável, sem dúvida, por acirrar a concorrência. Porém, busca atenuar problemas que só poderão ser solucionados em uma perspectiva de longo prazo.
        Muitas comunidades indígenas estão afastadas de serviços públicos de qualidade. Dados do Índice da Educação Básica do Brasil comprovam as disparidades entre os ensinos público e privado em termos de qualidade, além de que, como uma consequência do passado de escravidão e discriminação no país, a maioria dos alunos negros frequenta escolas públicas, em geral de baixa qualidade, e enfrentam dificuldades em obter qualificação adequada e bons salários posteriormente.
        Quando estes grupos de estudantes acabam, por motivos específicos, não obtendo a qualificação necessária ao mercado de trabalho e amplamente inferior às das classes mais altas da sociedade, há a intensificação de um sério problema: a concentração de renda. As cotas, ao possibilitaram a ascensão social, possuem o intuito de melhorar a qualidade de vida, o desenvolvimento econômico, de tornar o Brasil mais justo, além de acreditar na superação do cidadão.
        As cotas não são uma solução definitiva dentre os inúmeros desafios que a educação impõe aos governantes. É fundamental valorizar os professores, bem como promover infraestrutura necessária nas escolas a fim de que o ensino de ricos e pobres seja o mais próximo possível em termos de qualidade. Esse é um processo longo, que envolverá gerações. Enquanto não forem alcançadas as metas pretendidas, as cotas são imprescindíveis no processo de evolução do Brasil em seus indicadores socioeconômicos.




                                                                      Mattheus Reis

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Mancha negra na Petrobrás

                                                    Quem, de fato, manda.

      O ex-diretor da Petrobrás e um dos organizadores do esquema de corrupção que norteia a principal empresa estatal do país na atualidade, Paulo Roberto Costa, vem ao longo da semana detalhando aos investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público toda a engrenagem montada para o desvio de dinheiro da empresa com o intuito de abastecer interesses individuais, como campanhas eleitorais de políticos aliados do governo e da candidata Marina Silva, entre outros. Ao ser detido e optar por esclarecer o escândalo em troca da redução da sua futura pena, Costa reforça a interferência política histórica em questões e setores fundamentais para o desenvolvimento do Brasil, quando a ética e o profissionalismo deveriam prevalecer.
      Em praticamente todos os governos, a política e a troca de favores atropelam o mérito e a capacitação de pessoas em cargos importantes em agências reguladoras, ministérios e estatais. A diferença se estabelece no grau dessa interferência, que, ao que tudo indica, se intensificou nos governos do PT por conta de questões ideológicas do partido como a oposição ao neoliberalismo em sua forma ampla. Porém, a intervenção estatal na economia e em outras áreas pode se transformar em um meio para a ocorrência de práticas ilícitas caso aliados mal-intencionados sejam indicados para cargos de confiança e não haja um forte controle de transparência.
      Os desvios de dinheiro na Petrobrás, além de outros problemas como os elevadíssimos e suspeitos custos das refinarias de Pasadena, no Texas, e Abreu e Lima, em Pernambuco, são responsáveis, mesmo que indiretamente, pela brusca queda do valor de mercado da empresa e pelo represamento de preços dos combustíveis, segundo analistas, causando impactos na inflação.
      Ao mesmo tempo, entretanto, privatizar empresas estatais pelo argumento da existência de focos de corrupção nelas não parece ser uma opção coerente porque ignora a ocorrência de práticas ilícitas também na iniciativa privada: as grandes construtoras são exemplo disso.
      Assim como não é coerente apontar uma só figura do governo como a responsável por todos os imprevistos que acontecem nele. Enxergo na presidenta Dilma Rousseff uma imagem comprometida e íntegra, mas que peca pela inexperiência, em algumas situações, e está sufocada por um sistema que prioriza os interesses individuais acima de tudo. Dilma exerceu os postos de ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, porém, antes de 2010, não concorrera a nenhum cargo do Executivo ou do Legislativo. Por sua inexperiência, foi assessorada por aliados do governo anterior e, sem saída, precisou se submeter às influências deles mesmo contra sua vontade em busca da necessária governabilidade.
     Esse jogo de poder enraizado mostra que, apesar de ser a figura política mais importante do país, Dilma, como qualquer outro presidente, precisa aceitar o fato de que não manda sozinha. Seu grande erro, talvez, tenha sido cometido há quatro anos quando considerou viável seu nome à sucessão de Lula.


                                                               Mattheus Reis

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O gol contra do Grêmio

                                                     Indignação e omissão

     Com uma atuação envolvente de seus jogadores, o Santos venceu por um placar de 2 a 0, em Porto Alegre, o Grêmio na partida de ida das oitavas de final da Copa do Brasil, resultado que encaminhou bem a classificação da equipe paulista à próxima fase da competição. É uma pena, porém, que os gols e jogadas de Robinho e cia. tenham sido ofuscados mais uma vez pelo racismo. A vítima do mais recente episódio do tipo foi o goleiro santista Aranha. Sua revolta, ainda em campo, diante dos xingamentos mostrou o quanto a discriminação racial pode ferir o moral de um ser-humano. Sua reação instantânea de orgulhar-se por ser negro tentou ser um escudo contra uma metralhadora de ofensas verbais vindas da torcida adversária.
     Oito casos de racismo, que repercutiram com maior impacto na mídia, foram registrados no futebol brasileiro durante esses nove meses de 2014. Três deles ocorreram no Rio Grande do Sul, dentre os quais em dois envolveram-se torcedores gremistas. O Grêmio foi o último dos grandes clubes do país a admitir atletas negros em seus elencos. Além disso, uma de suas torcidas organizadas possui influências ideológicas neonazistas. A conivência por parte da diretoria do clube ainda a mantém livre para transitar nos estádios.
     Historicamente, a formação cultural - que foge um pouco da do restante do Brasil - e o menor grau de miscigenação da população gaúcha são fatores contribuintes desse maior grau de intolerância apresentado pelas minorias tanto de gaúchos quanto de torcedores do clube, o que não justifica, por sua vez, um comportamento tão bárbaro e que não é exclusivo daquele estado. Em outras partes do país e do mundo, sobretudo na Europa, o racismo está presente, caracterizando, sem surpresas, um problema universal.  
     Esse triste acontecimento é mais um exemplo e também, por outro lado, uma oportunidade para que punições sejam aplicadas e atitudes como essas não se repitam. O início de uma mudança verdadeira começa na educação e civilidade da sociedade. Ao mesmo tempo que condenamos ofensas racistas, quando presenciamos cenas semelhantes as que ocorreram na Arena do Grêmio deixamos o silêncio imperar na maioria das vezes. Não temos coragem para apontar o dedo e culpar quem está errado. Eu, autor deste texto para você, leitor, confesso que já me omiti e não encontrei até hoje o porquê de tanta hesitação em fazer justiça. Na maioria das escolas, o assunto não é profundamente debatido: em 12 anos de estudos durante os ensinos fundamental e médio, não me recordo de ter assistido a uma aula específica sobre o racismo, suas causas, consequências e o quão insistente é a sua presença no cotidiano.
     O esporte é um dos poucos meios pelos quais é possível reunir negros e brancos, ricos e pobres em condições de igualdade.  O futebol, especificamente, é a principal forma de confraternização entre os povos e um poderoso meio de divulgação de campanhas anti-discriminatórias por sua popularidade, por ser o mais praticado e assistido das modalidades esportivas. Os estádios não podem ser palco de ofensas racistas, homofóbicas e brigas generalizadas.  Ainda mais no Brasil, cuja população encantou estrangeiros com simpatia e receptividade durante a Copa do Mundo de 2014.



*Veja uma entrevista de Aranha após sofrer discriminação racial. 


http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/08/eu-tenho-do-dela-diz-goleiro-aranha-sobre-jovem-que-o-ofendeu-em-jogo.html


http://br.reuters.com/article/sportsNews/idBRKBN0GY2M320140903                               


                                                           Mattheus Reis