segunda-feira, 18 de abril de 2016

8 a 1

                         Mais uma derrota da política brasileira.


Manifestantes contrários ao impeachment assistem a votação do impeachment, nos Arcos da Lapa, no Rio Hermes de Paula / Agência O Globo
Sem vencidos e vencedores: ficou
claro para grande parte da sociedade o que
move as decisões políticas de representantes
não comprometidos com o Brasil.
      O  momento atual da classe política brasileira é um dos mais pobres intelectualmetnte das ultimas décadas, e a sessão cujo resultado foi o aval para o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff ser encaminhado para o Senado foi prova do difícil momento da democracia nacional. Um tema tão sério e delicado não apenas para o presente como também para o futuro foi tratado de maneira incoerente, irresponsável e até mesmo cômica por parte dos 367 que disseram "sim" na noite de ontem. Uma derrota vexatória da classe política. Faltam projetos políticos efetivos. Faltam lideranças para executa-los. O 7 a 1 foi pouco.
     No processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, pôde ser constatada uma unanimidade em torno de seu afastamento por conta das evidentes denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito contra a pessoa do então presidente. Vinte e quatro anos depois, o cenário é diferente: apesar de escândalos de corrupção terem como envolvidos membros da administração federal, não há provas cabais de participação da presidente em pagamentos de propinas. Diante disso, dizer "mas ela sabia" resume-se a uma tentativa de acirrar ainda mais um clima político já tenso.
     Além disso, o único objeto de análise do impeachment refere-se às supostas "pedaladas fiscais" do ano de 2015, uma questão extremamente técnica, que somente poucas pessoas dentro do universo de 142.822.046 eleitores (TSE-2014) têm propriedade para analisar, como especialistas em direito tributário, direito constitucional e em finanças públicas. Quem somos nós, jornalistas, estudantes, engenheiros, médicos, vendedores para emitir um posicionamento definitivo sobre a prática ou não de crime de responsabilidade, passível de impeachment? E pior ainda é acreditar fielmente em um crime de responsabilidade com base na opinião de juristas alinhados à oposição e nas "manchetes do Jornal Nacional", como disse Mônica Iozzi. Somos muitas vezes massa de manobra para serem alcançados objetivos que não nos interessam.
     O fato das "pedaladas fiscais" serem tão complexas para comprovar o cometimento de crime de responsabilidade abriu um precedente para questionamentos acerca da legalidade deste impeachment. Seriam as "pedaladas fiscais" apenas um pretexto injustificável juridicamente para derrubar o governo só porque a crise econômica afeta o país e a base aliada está esfacelada? É péssimo termos 9% de inflação, 9% de desemprego e uma retração de 3,5% do PIB brasileiro em 2015, mas esses números não são endosso para a destituição de um Presidente. Não há PIB no mundo, por mais trilionário que seja, capaz de sucumbir a ordem constitucional e o respeito ao voto popular. Nos anos FHC, o Brasil também enfrentou, até a estabilização conquistada pelo Plano Real, dificuldades econômicas simbolizadas por uma taxa de desemprego próxima aos 12,5% em 2001 (IPEA). Mesmo com as pressões populares da época, nenhum pedido de afastamento vingou e, realmente, não deveria.
Capa da Revista "ISTO É"
insinua problemas emocionais
da presidente Dilma Rousseff.
     No entanto, não foram esses valores os utilizados na argumentação de grande parte dos que apoiaram a continuidade do processo no Senado. Misturamos tudo, fazemos um caldo cujos ingredientes são a crise econômica, a corrupção do PT (não a da Odebrecht, a da Andrade Gutierrez, a de Eduardo Cunha, a de Aécio Neves, a do PMDB e a do dia a dia), a reportagem com viés machista e oportunista sobre a instabilidade emocional de Dilma Rousseff e, como resultado, saboreamos um gosto amargo responsável por nos induzir a dizer "Fora!" precipitadamente.
     Aqueles cujo "sim" foi resposta sonhavam, em sua maioria, com o fim da corrupção, como se o oásis da ética nunca estive tão próximo. Sinto muito em ser, neste momento, o mensageiro do pessimismo, porém o fim da corrupção está tão próximo quanto o título mundial do Flamengo. Ou melhor, nunca acabará em lugar algum do mundo. Ao nosso alcance, felizmente, está a possibilidade de realização de uma urgente Reforma Política para atenuar ao máximo o espaço concedido a práticas ilegais que atentam contra o dinheiro público e o bem-estar comum.
     Outros reforçaram, através de confetes e papel picado lançados em pleno plenário da Câmara, a tese de que é em Brasília, e não em Salvador, onde o Carnaval dura o ano inteiro, embora tenhamos no Congresso quadros políticos comprometidos com o progresso do Brasil, o que é sempre bom destacar. E como não poderia faltar neste espetáculo, a irracionalidade de quem parabeniza o presidente da Câmara dos Deputados, cujo aproveitamento é de 100% em investigações da justiça (Lava-jato, corrupção em Furnas, lista de propinas da Odebrecht e Panama Papers) e exalta um dos homens mais brutais da Ditadura Militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do maior centro de torturas do período, o DOI-CODI de São Paulo. É mais prudente nem mencionar o nome desse deputado, tido por muitos como "O Messias", porque pode ser contagioso.
     Diante da falta de coerência, do pragmatismo e do cinismo apresentados por muitos dos seus apoiadores, o impeachment já duvidoso da presidente Dilma Rousseff se torna cada vez menos defensável e legítimo apesar de o rito do processo, estipulado pelo Superior Tribunal Federal (STF) estar sendo respeitado. Quem compartilha de todas as ideias apresentadas neste texto está provavelmente sendo taxado por parte da opinião pública de ser "conivente com a corrupção", mas a conivência com a corrupção vem, de fato, daqueles que ainda mantém o apoio político que sustenta Eduardo Cunha somente porque ele possui forças para derrubar a Presidente da República. Vem daqueles que na sessão de ontem vaiavam enquanto críticas eram direcionadas ao presidente da Câmara dos Deputados.
     Por fim, se algo podemos extrair de positivo de tudo o que aconteceu ontem, é a indignação expressa por grande parte dos jovens em relação ao comportamento e posicionamento político dos deputados favoráveis ao impeachment. Simboliza uma nova geração que precisa manter essa forma coerente de pensar e agir. Já é o início de uma Reforma Política, que começa na escolha de representantes comprometidos com um Brasil melhor. A boa notícia é que eles existem. Você só precisa se esforçar para encontra-los. Você dá conta?


    Mattheus Reis