segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Dois vilões

O texto a seguir foi escrito pela colunista do jornal "O Globo" Márcia Vieira, publicado na edição de 03 de outubro de 2015 e disponível em sua versão original em:
                
                                      Que PM é essa?
 
"Quem irá nos defender?": falta de estrutura, abusos,
 preconceitos e corrupção subvertem a função social
 da polícia militar no RJ e no Brasil.
       A Polícia Militar ocupou violentamente a alma do carioca esta semana. A sequência de atos dramáticos recentes começou com o assassinato de Bruno Rodrigues, policial da UPP da Formiga, torturado e arrastado por um cavalo até a morte em Nova Iguaçu. Dois dias depois, a face mais abominável da secular corporação foi exposta no vídeo do presumível assassinato do jovem Eduardo Felipe dos Santos, de 17 anos, no Morro da Providência, seguido da adulteração da cena do crime, cometida por cinco PMs. A selvageria prosseguiu com a morte de Caio César de Mello, 27 anos, numa troca de tiros, às 11 horas, no Complexo do Alemão. Sua morte ganhou repercussão internacional. Ele foi o dublador de Harry Potter na série de filmes e até J.K.Rowling, a criadora do jovem herói bruxo, lamentou a tragédia. Caio era policial por vocação e paixão.
       Para encerrar a crônica de absurdos, uma juíza foi agredida por policiais presos, irritados com o corte de mordomias no Batalhão Prisional de Benfica. A juíza foi defendida por outros PMs, desarmados, da sua escolta e que, por sua vez, foram atacados a pauladas. Afinal, que PM é essa em que convivem agressores e agredidos, assassinos e vítimas?
       Tão mal vista pela população por conta de pequenas falcatruas e grandes bandidagens cometidas por seus integrantes ao longo de décadas, ela é o alicerce da política de segurança instalada no Rio desde 2008. Quando foram criadas as Unidades de Polícia Pacificadora, um nome significativo, parecia que a limpeza nos quadros da PM e da Polícia Civil, com a expulsão dos maus elementos promovida pelo secretário José Mariano Beltrame, daria certo. Houve esperança de que o mantra dos cariocas “a PM não tem jeito” pudesse estar errado.
       A administração Beltrame fez mudanças na formação do policial, expulsou mais de mil e quinhentos policiais e atraiu gente que, em outros tempos, jamais se arriscaria a fazer parte da corporação. “Morreria feliz em combate”, respondia Caio quando a família insistia para que deixasse a PM. Ele acreditava que seu trabalho era proteger a sociedade e se orgulhava disso.
       Mas a impressão de que se está enxugando gelo voltou a se espalhar por uma parcela significativa da população a partir do desaparecimento de Amarildo, na Rocinha, em 2013, após ter sido detido por policiais da UPP. Será que a PM não tem jeito? O que fazer para que ela mude?
Claudio Beato, do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança da Universidade Federal de Minas, definiu a PM como uma caixa-preta. Diz que a sociedade sabe pouco sobre ela. “Acho simplista a tese de só culpar os maus policiais. O que falta é uma efetiva estrutura de controle. É preciso haver uma mudança institucional para que casos como o da Providência não voltem a ocorrer”, escreveu no GLOBO esta semana.
       Em agosto, uma pesquisa Datafolha, encomendada pelo Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, revelou que a Polícia Militar do Rio é a mais corrupta do país. O estado tem mais vítimas de extorsão policial do que todos os demais da Região Sudeste somados. Um resultado estarrecedor.
       Apesar disso, o programa das UPPs tem muitos pontos positivos. A questão, como é gritada aos quatro ventos pelo próprio secretário de Segurança, é que a polícia não pode agir sozinha. Sem a participação de outros setores do Estado, a polícia tende a se tornar, ela própria, um problema. Sua tendência é usar o instrumento com que está mais habituada, a violência. E neste caso, não há programa social que dê jeito. Cada vez que uma barbárie como a do Morro da Providência acontece o trabalho de anos retrocede. E, o que é pior, há quem clame por mais violência, criando um círculo vicioso sem possibilidade de um final minimamente feliz.
       Uma das mais frequentes críticas à política de segurança é que o treinamento dos novos policiais é precário e que eles já saem da academia direto para áreas com grandes possibilidades de conflito. A crítica pode ser justa. A questão é que não há como parar tudo e recomeçar do zero.
       Os conflitos explodem a todo momento. Muitas vezes são consequências de questões que ainda são discutidas pela sociedade. Por exemplo, a descriminalização do consumo de drogas e o estatuto do desarmamento.
       Uma música dos Titãs diz “Polícia para quem precisa de polícia”. É uma boa ideia, mas que sociedade, no mundo atual, não precisa de polícia? O importante é que a sociedade defina e lute pelo tipo de polícia que quer.
                                     -------------------------- // ----------------------------

*Leia mais sobre o assunto:

Nenhum comentário:

Postar um comentário