quinta-feira, 24 de março de 2016

O que não deixam você ver

O texto a seguir foi escrito pelo jornalista Patrick Cockburn, do jornal britânico "The Independent", publicado na edição de 23 de março do Jornal "O Globo" e está disponível através do link: http://oglobo.globo.com/mundo/artigo-politicas-desastrosas-ajudaram-estado-islamico-18937571#ixzz44bIxTo95      


                      Políticas desastrosas ajudaram o EI

Terror oculto: Ataques cometidos pelo
 grupo extremista Boko Haran, da Nigéria,
tão crueis quanto os praticados pelo EI
em Bruxelas, não recebem tanta atenção
 da mídia e da comunidade internacional.
      A prisão de Salah Abdeslam, considerado o único sobrevivente dos perpetradores do massacre de Paris, significa que a mídia está concentrada mais uma vez na ameaça de um ataque terrorista do Estado Islâmico (EI). Há indagações sobre como o homem mais procurado da Europa conseguiu evadir-se da polícia por tanto tempo, embora estivesse vivendo em seu bairro natal, Molenbeek, em Bruxelas. Redes de TV e jornais perguntam ansiosamente sobre a chance de o EI cometer uma outra atrocidade voltada para dominar a pauta das agências de notícias e mostrar que ainda está atuante.
      O relato dos eventos em Bruxelas está em linha com os ataques em janeiro (“Charlie Hebdo”) e novembro em Paris, e os assassinatos numa praia turística na Tunísia pelo EI, no ano passado. Durante vários dias, há uma ampla cobertura pela mídia, que aloca tempo e espaço bem além do necessário para relatar os acontecimentos. Mas, em seguida, o foco se transfere para outro lugar, e o EI vira notícia velha, tratada como se o movimento tivesse acabado ou pelo menos perdido sua capacidade de atingir nossas vidas.
      Não é como se o EI tivesse parado de matar pessoas em larga escala desde o massacre de Paris em 13 de novembro. Trata-se mais do fato de não estar fazendo isso na Europa. Estive em Bagdá em 28 de fevereiro, quando dois suicidas do EI se explodiram em frente a um mercado na cidade de Sadr, matando 73 pessoas e ferindo mais de cem. No mesmo dia, dezenas de combatentes do EI em picapes equipadas com metralhadoras atacaram postos policiais em Abu Ghraib, na periferia de Bagdá.
      O mundo praticamente ignorou estes acontecimentos sangrentos porque eles parecem fazer parte da ordem natural das coisas no Iraque e na Síria. Mas o total de iraquianos mortos nesses dois ataques — e em dois outros atentados suicidas numa mesquita xiita no distrito de Shuala, em Bagdá, quatro dias antes — representa o mesmo número dos 130 mortos em Paris em novembro.
      Sempre houve uma descontinuidade nas mentes das pessoas na Europa entre as guerras em Iraque e Síria e os atentados terroristas contra europeus. Isto ocorre, em parte, porque Bagdá e Damasco são lugares exóticos e assustadores, e as fotografias de áreas devastadas por explosões são a regra desde a invasão americana em 2003. Mas há uma razão mais insidiosa pela qual os europeus não fazem a conexão entre as guerras no Oriente Médio e a ameaça à sua segurança. Separar as duas realidades é do interesse dos líderes políticos do Ocidente, porque assim a opinião pública não vê que suas políticas desastrosas em Iraque, Afeganistão, Líbia e outros lugares criaram as condições para o surgimento do EI e de gangues terroristas como aquela a que Salah Abdeslam pertence.
      Após o massacre de Paris no ano passado, houve uma onda de apoio à França e pouca crítica às políticas francesas na Síria e na Líbia, embora elas tenham beneficiado o EI e outros movimentos jihadistas desde 2011. Ao apoiar a oposição na Síria e na Líbia e destruir esses Estados, a França e o Reino Unido abriram a porta para o EI e deveriam repartir a culpa pela ascensão do terrorismo na Europa.

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