sábado, 14 de maio de 2016

Um "salvador" sem crédito.

                                   Temer: o 'herói" da vez.


Mais do mesmo: apesar de intitular
 seu governo como de "salvação", o
 plano de governo  de Temer está
 longe de ser unificador após o
 impeachment dividir o país.

     A partir da decisão tomada pelo Senado Federal, de afastar por até 180 dias a Presidente Dilma Rousseff em decorrência do processo de impeachment contra ela instaurado, o então vice, Michel Temer, passa a ser provisoriamente o Chefe de Governo em exercício enquanto não ocorrem o julgamento comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e uma nova votação no plenário do Senado, na qual 2/3 dos políticos da Casa precisam dizer "sim". A aliança política que conduziu Temer à presidência vislumbrou, em meio às dificuldades de articulação política e de estabilização da economia enfrentadas pelo governo Dilma, a possibilidade de viabilizar mais uma vez um antigo projeto do PMDB: conquistar notoriedade no comando do Poder Executivo sem, entretanto, promover mudanças profundas na estrutura política do país.  
     O PMDB carrega em sua história o simbolismo de ter sido o grande partido opositor da Ditadura Militar e mentor da Assembleia Constituinte de 1988, mas também críticas por ser pragmático e não possuir uma plataforma política de propostas homogênea. A legenda é a mais beneficiada pelas brechas da máquina pública para eleger candidatos. Foi assim que conquistou a maior bancada do Congresso durante o mandato de Dilma Rousseff e exerceu o papel de "fiel da balança" em votações  e na formação de coligações eleitorais.  
     Em março, sob alegações de "pouca atenção dada por Dilma e incapacidade da Presidente em agregar forças políticas contra a crise econômica", o partido presidido por Temer há 15 anos anunciou o rompimento definitivo com o governo. Os desgastes, entretanto, foram criados antes, durante a campanha de 2014, e tiveram o estado do Rio de Janeiro como origem. A presença de candidatos do PT e do PMDB, até então aliados, na eleição para governador rachou o PMDB do estado fluminense a ponto de serem formados dois grupos: um a favor da candidatura de Dilma Rousseff, liderado pelo prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes, e outro, intitulado "Aezão", que apoiava o candidato tucano e tinha como principais líderes Eduardo Cunha e Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa.
   A chegada de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2015, conferiu-lhe poderes para gradativamente influenciar a posição do partido quanto à continuidade  ou não na base aliada do governo federal; posicionamento este que em algum momento, precisaria ser majoritário. A decisão consumou a separação e o apoio ao impeachment, outros partidos de menor expressão seguiram o mesmo caminho e, assim, foram garantidos os votos necessários à oposição, que, incapaz de criar projetos vencedores em eleições presidenciais, contentou-se com ministérios e com a elaboração de um plano de recuperação econômica para integrar o novo governo e voltar ao poder.
        Diante da baixa popularidade de Dilma Rousseff e do PT, apoiá-los aumentaria as chances de derrota nas próximas eleições de 2016 e 2018. A 'solução' encontrada então pelo PMDB provavelmente foi trocar de lado para continuar aonde sempre esteve. Nada surpreendente. Por outro lado, o núcleo mais próximo de Dilma Rousseff demorou em negociar uma reversão dessa desagregação e, talvez, não quis fazer, já que isso envolveria a salvação de Cunha no Conselho de Ética contra o seu processo de cassação na Câmara dos Deputados.
     Com a finalidade de combater ao máximo esse jogo de interesses que está longe de representar as demandas da sociedade, cada vez mais é vista como imprescindível a realização de uma Reforma Política coerente. 
      E os argumentos jurídicos e técnicos para sustentar o impeachment? Cada vez mais parecem ser apenas um pretexto duvidoso e complexo para conferir a todo esse tumulto certa aparência de legitimidade. Uma estratégia para ter o aval de uma população que sofre as consequências de problemas estruturais na educação e da falta de pluralidade de informações. Mais uma vez, é preciso destacar: somos roubados não apenas nos cofres, mas também nas ideias. Antes mesmo das denúncias apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os as supostas pedaladas do governo, o "Fora, Dilma!" já estava nas ruas, capitaneado, assim como outros movimentos da sociedade civil, por partidos políticos.
       Em seu primeiro pronunciamento no Palácio do Planalto, marcado pelo entusiasmo dos presentes na cerimônia apesar do momento delicado da democracia brasileira, Michel Temer destacou a missão de comandar um governo "de salvação e coesão nacional" e com foco na necessária e urgente recuperação da economia. No entanto, engana-se quem crê na estabilização e na salvação do Brasil apenas com base na melhora dos indicadores macroeconômicos (PIB, inflação e taxa de desemprego). O Brasil é muito mais complexo politica e socialmente para acharmos que economia, economia e mais economia são as únicas áreas de gestão a serem priorizadas por um governo. 
       O plano de recuperação econômica de Temer (privatizações, mudanças em legislações trabalhistas e previdenciárias e redução de pastas, a ponto de importantes órgãos de fiscalização das atividades públicas, como a Controladoria-Geral da União (CGU), perderem sua autonomia e serem agregados a outros ministérios) não garante por si só a estabilidade social e política do país por mais que, com essas medidas, a economia seja reaquecida.
   Se esses e outros projetos, como a diminuição das demarcações de terras indígenas, a flexibilização do Estatuto do Desarmamento e a expansão da terceirização do trabalho, forem aprovados, não há como alcançarmos minimamente a paz e a coesão idealizadas por Temer. O motivo não é tão difícil de entender: grande parte dessas medidas está distante de atender  às demandas tanto de significativos segmentos da população quanto de minorias, que conquistaram vários direitos antes e durante os governos do PT.
      Foram essas medidas as apresentadas pelo PSDB nas últimas três eleições presidenciais, não sendo suficientes para derrotar o PT. Para ter o mínimo de governabilidade, Temer pode, em contrapartida, ceder e dar a canetada final para esses projetos elaborados por seus aliados entrarem em vigor.
       Não é possível que em todas as crises, no Brasil e no mundo, o único 'remédio' aplicado por lideranças políticas seja o da tesoura em programas sociais, direitos nas áreas trabalhista e previdenciária e em outros gastos com o respaldo da comunidade empresarial e da imprensa. Não é possível a austeridade, fórmula econômica também usada pelo governo Dilma enquanto Joaquim Levy foi ministro da Fazenda, ser o único caminho disponível. A gravidade da situação econômica atual do Brasil se deve, principalmente, às contas públicas estarem no vermelho e os cofres públicos, quase vazios. Mesmo assim, não é possível não haver outras alternativas tão eficazes, menos drásticas e que evitem a socialização das perdas.
       Este processo de impeachment tem um diferencial crucial em relação a outros que ocorreram na América Latina nas últimas décadas: nunca antes um(a) presidente, mesmo isolado(a) politicamente, esteve amparado(a) por tantos cidadãos e movimentos sociais quanto Dilma Rousseff. Diante desse cenário, Temer precisaria apresentar uma real agenda de propostas de conciliação e não apenas um discurso sobre. Manter programas sociais é fundamental, mas não é bastante para esses grupos, cuja opinião dificilmente mudará somente com a recuperação da economia. Para esses grupos, uma maior participação nas decisões políticas é mais importante. 
      Agora em estágio talvez avançado demais para ser revertido, o impeachment em nada alterou a rígida estrutura da política brasileira. Ao analisarmos os perfis político/ideológico da nova equipe ministerial montada, do Congresso e do discurso de Temer, percebe-se a mudança de atores políticos, mas o jeito de se fazer política continua inalterado.  Por tudo isso, o presidente em exercício já enfrenta sua primeira crise: a de legitimidade, como mostram as pesquisas de opinião. Pelo visto, "Temer" não é um nome que combine com os dos herois, idolatrados ao extremo na cultura brasileira. Um pouco menos de salto alto é o melhor projeto que esse governo eleito com 0 votos pode oferecer ao país neste momento. 

                                             Mattheus Reis.      

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