segunda-feira, 10 de abril de 2017

A dura realidade do Oriente Médio obriga a aceitar o que, em tese, é inadmissível

     O autoritarismo é um componente histórico na política do Oriente médio. Governos, mesmo respaldados pelo voto e popularidade, se converteram, na região, nas últimas décadas, em dinastias familiares que perseguem opositores, radicais ou democratas, como na Síria. Muito desse autoritarismo foi patrocinado, sobretudo durante a Guerra Fria, pelos blocos capitalista e socialista; cada Estado árabe com seu alinhamento na luta contra o "inimigo" no seculo XX. Com essas raízes históricas, Bashar al-Assad sobrevive até hoje, apoiado pela Rússia e por grupos armados compostos por aliados civis.
     Não se sabe, ao certo, se o ataque químico que vitimou cerca de 86 cidadãos na cidade de Idlib, na última quarta-feira, partiu das forças armadas comandadas por Assad. Independentemente disso, a guerra que se arrasta pelo sétimo ano foi mais que suficiente para mostrar, à luz do mundo, a tirania do presidente sírio. Apesar da fumaça e destruição causada pelos bombardeios diários que assolam o país, é possível ver que as soluções simples ou utópicas não serão as salvadoras. A realidade do Oriente Médio e os exemplos recentes na região nos obrigam a admitir o que seria, em tese, inadmissível diante do tamanho desespero que enfrenta parte do povo sírio: Assad é o último que pode cair neste faroeste.

Ouvir o recado: Para muitos, a Síria pode piorar, se é que isso é possível,com 
uma queda imediata de Assad.

     A Primavera árabe tentou, mesmo com interesses ocultos por trás do movimento, romper essa realidade autoritária, mas fracassou. À exceção da Tunísia, todos os outros países onde ocorreram protestos de grande porte e deposições em 2011 passaram a lidar, desde então com o crescimento de grupos terroristas, intervenções não-autorizadas e anti-democráticas além de guerras civis. A Líbia até pouco tempo atrás possuía dois governos precisou de uma intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado em busca de um mínimo de estabilidade. O Egito é governado, desde 2013 por um junta militar que derrubou o primeiro líder eleito democraticamente e se travestiu de democrática com a eleição, em 2014, do general al-Sisi como presidente. 
     Kadafi e Mubarak impuseram seu poder ao ponto de colocar seus respectivos países e cidadãos como reféns de uma cultura política de exultação à figura do líder único e supremo. Kadafi era a Líbia. O Egito era Mubarak. Quando essas lideranças caíram, uma parte do Oriente médio perdeu de vez o rumo, já que, até hoje, não surgiram outros líderes para disputar eleições livres e com capacidade de mobilização em torno de um projeto democrático e independente do fundamentalismo religioso e da interferência das potências ocidentais. A disputa pelo poder se fragmentou e, sem um projeto conciliador, partiu-se para a guerra. O problema maior não é a deposição (todo déspota deve cair), mas o "day-after", a sucessão e a redemocratização. A Primavera árabe só tinha como fazer metade do trabalho. E o ocidente tem sistemática e propositalmente falhado em criar estabilidade para a região.  
     A Síria não sabe, neste momento, o que fazer se Assad cair ou renunciar; para agravar ainda mais a crise humanitária e política, que reflete na escalada do terrorismo e no crescimento da imigração para a Europa. Assad tem obtido êxito ao combater o Estado Islâmico, cujo território tem diminuído desde o ano passado. Seu governo ainda controla grande parte do país, onde não há relatos de conflitos. Em meio a tamanhas violações de direitos humanos contra opositores e civis, esse é o trunfo do presidente sírio para manter sua popularidade alta entre os sírios e que faz o Ocidente pensar duas vezes antes de uma intervenção mais incisiva.

A atual divisão territorial na Síria: Fonte:Instituto de Estudos de Guerras

     Donald Trump, porém, não pensou duas vezes. Sua ofensiva militar, a primeira contra o governo sírio em si nestes seis anos, um dia após as mortes causadas pelo gás sarin, pode ter sido pontual, para obter certa popularidade e ao mesmo tempo intimidar Assad a não ordenar ataques químicos caso ele realmente os tenha cometido ou pense em cometê-los no futuro. Pode também ser, no pior dos cenários, o início de uma nova campanha, que colocaria em lados opostos EUA e Rússia em um conflito de grandes proporções, cujo prêmio seria um país fragilizado e um povo sem alternativas a não ser continuar submisso. 
     No Iraque foi assim. Sem autorização da ONU, uma intervenção derrubou Saddam Hussein em 2003, com a justificativa de que seu governo possuía armas de destruição em massa. Nada foi encontrado, o ditador foi condenado à morte, mas os iraquianos foram obrigados a se ajoelhar diante das violações do exército americano e do frágil governo de Nouri al-Maliki. As tropas se retiraram no fim de 2011, o país foi deixado às traças, o exército iraquiano se viu sem a estrutura e inteligência antes oferecidas pelos EUA, o Estado Islâmico cresceu e, paradoxalmente, existe um saudosismo local em relação aos tempos de Saddam.

            Encenação Emblemática: o Secretário de Estado Americano durante o
         primeiro mandato de Bush, Colin Powell, levou ao Comitê de Segurança
         da ONU, em 2003, uma suposta amostra de antrax, substância altamente 
         tóxica e que seria componente das supostas armas químicas criadas por 
         Saddam Hussein. Anos depois, vazou um relatório da inteligência americana,
         afirmando que não havia nenhuma arma do tipo em solo iraquiano.

     A realidade do Oriente Médio é dura, onde é necessário, muitas vezes, escolher "a melhor entre as piores opções": o colapso do abandono, que leva a guerras sectárias, ou autoritarismo, sem dúvida danoso, mas que historicamente assume função estabilizadora na região, um barril de pólvora. A democracia nunca deixará de ser uma esperança. Mas como disse George Orwell, "A Guerra não é feita para ser ganha, é feita para ser contínua". Historicamente é o que tem sido feito no Oriente Médio, sem perspectiva alguma de paz duradoura, mesmo que sejam mudadas peças no tabuleiro geopolítico.

                                                           Mattheus Reis
   

Nenhum comentário:

Postar um comentário