sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Um semblante, um sentimento

O que temos para hoje: semblante de
Michelle Obama na posse de Trump é
a tônica do sentimento de muitos ao ver
um aprendiz raivoso na Casa Branca.  
    A vitória nas eleições presidenciais americanas de um bilionário empresário, sem experiência alguma em Washington e cujo prazer é espalhar preconceito foi o "grand e tenebroso finale político" em meio a uma série de outros episódios que fizeram de 2016 um ano de transformações rápidas e drásticas na geopolítica. Embora tenham ficado no passado, os traumas e choques estão longe de serem superados. E Donald Trump, protagonista dessa guinada, acabou de ratificar, em seu medíocre discurso de posse como 45º presidente dos EUA, que não colaborará para a conciliação de interesses antagônicos dentro e fora do país que começa a governar a partir de hoje. Essa vocação, imprescindível a todas as lideranças mundiais, é, para ele, uma fragilidade. 
    Os componentes que geraram essas transformações remontam, em 2017, o cenário político, econômico e social do final do século XIX e início do XX. O resultado já é conhecido e relembrado nas aulas de história: o fechamento de mercados, a xenofobia e intolerância levaram o mundo a duas guerras mundiais. Se estamos testemunhando um replay nada agradável na história, isso pode ser interpretado como uma reação às consequências negativas da globalização, que, de fato, a partir dos ano 1970, gerou o aumento da concentração de renda, perda de identidades culturais e fragilidade das soberanias nacionais e da representatividade política. 
       No entanto, a resposta às fragilidades da globalização não deve ser a que está sendo expressa pelo voto ultimamente: o apoio aos discursos de ódio, seja de Trump ou de qualquer outra personalidade politicamente alinhada a ele. Mas na era dos extremos e da pós-verdade, os eleitores do Republicano se basearam em convicções, e não em fatos, de que essa era a única alternativa: retornar a uma mentira era preciso. O "Make America Great Again" é, assustadoramente, um exercício de recordar com nostalgia tempos de supremacia branca, machista, patriarcal e xenófoba, que nortearam a escravidão, a perseguição aos indígenas, a segregação racial entre outras violações de direitos humanos durante a história dos EUA. 
     Apesar de o governo Obama não ter solucionado problemas raciais e falhado na luta contra o terrorismo, a criação recorde de empregos após a mais grave crise econômica e financeira desde 1929, a reaproximação diplomática com Cuba e Irã, a liderança até então nunca vista de um líder americano contra o aquecimento global, a reforma na saúde e o reconhecimento legal e em todo o território nacional do casamento entre homossexuais refletem as mudanças vistas ultimamente na sociedade americana e a formação inevitável de um novo país, mais multicultural. 
     Esses nítidos avanços foram vistos, entretanto, como retrocesso por Trump e aproximadamente 50% dos americanos, que achavam, em pesquisas de opinião antes das eleições, que os EUA estavam "fora dos trilhos". Tão atentos às demandas de minorias, Obama, Hillary Clinton, Bernie Sanders e outros Democratas não compreenderam não conseguiram, por outro lado, enfrentar essa oposição dentro e fora de Washington. A realidade palaciana e do establishment político dão mais estrutura, recursos e chances de vitória ao grupo que já está no poder, mas impede, em muitas ocasiões, ver e ouvir alguns sinais dados pela opinião pública. Trump as ouviu e, assim com em seus negócios, vendeu um pesadelo camuflado de sonho. Sua estratégia, apesar de repulsiva, criou laços de identificação com esses eleitores conservadores, insatisfeitos com os novos rumos tomados pelo país e pelo mundo globalizado, em geral, e que se sentiam marginalizados. 
         De apresentador de um reality show de empreendedorismo e negócios na tv a 45º presidente dos EUA, Trump é o aprendiz da vez. Seu primeiro teste de fogo são as denúncias com fortes indícios de que informações pessoais de sua adversária de campanha, Hillary Clinton, e do Partido Democrata foram hackeadas por agentes russos para favorecer os Republicanos na disputa, em um episódio que lembra muito Watergate. Com incertezas, divisão e críticas da imprensa ate mesmo de colegas de partido, mais um capítulo da história mundial começa a ser escrito. Ter Trump como um de seus autores nos leva a supor que são pequenas as chances de um final feliz.

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