quinta-feira, 30 de abril de 2015

Guerra sem limites

                                               O crime do Estado

  
Sem perdão: Joko Widodo
declarou guerra ao tráfico de drogas

       A eleição de Joko Widodo para a presidência da Indonésia, em julho de 2014, parecia conduzir definitivamente o 4º país mais populoso do planeta em direção à democracia. De infância pobre, vivida em favelas da capital, Jacarta, Widodo foi o primeiro líder indonésio eleito em votação popular e transparente após um século XX marcado em quase sua totalidade por governos autoritários comandando o país, com destaque para a forte repressão empreendida pelo general Suharto durante 30 anos. Entretanto, a política do atual presidente de combate feroz e sem limites às drogas, que inclui penas de morte sem qualquer contestação, mostra a necessidade do país evoluir principalmente no que diz respeito aos direitos humanos.
       Dois brasileiros fizeram parte da lista de traficantes de drogas condenados à morte e, em 2015, executados: Marco Archer, no mês de janeiro, e Rodrigo Gularte, na última terça-feira. Gularte e mais 7 prisioneiros de países como Nigéria, Austrália e Indonésia atravessaram sem volta o corredor da morte nesta semana. Poderiam ser 9, no total, caso a filipina Mary Jane Veloso não tivesse sua sentença adiada.
          Segundo o portal de notícias G1, Mary Jane foi flagrada, em 2010, no aeroporto de Jacarta, portando cerca de 2,5 Kg de heroína. Horas antes da execução, porém, uma mulher se entregou às autoridades policiais das Filipinas, afirmando fazer parte de um cartel de drogas e que enganou Mary Jane, ao colocar secretamente a droga na bagagem da vítima, que viajava à Indonésia em busca de trabalho. As investigações serão aprofundadas, mas casos como esse nos levam a ter perturbadoras dúvidas sobre a possibilidade de muitas pessoas inocentes terem sido condenadas à morte e não terem conseguido reverter a pena, como bem retrata o fantástico filme "À espera de um milagre".
Mesmo destino: Marco Archer
 e Rodrigo Gularte foram executados

       Os erros cometidos por Archer e Gularte são inquestionáveis já que os brasileiros confessaram participação em redes de comércio ilegal de entorpecentes visando ao dinheiro e prazeres intermináveis, assim como conheciam os riscos do tráfico. A cocaína vendida por eles, tanto quanto qualquer outra droga, é capaz de destruir famílias, amizades e vidas. Mesmo assim não há justificativas para que um Estado viole um direito fundamental de todo cidadão - a vida - não importa nacionalidade, religião entre outras variantes culturais.
       A pena de morte é legalizada na Indonésia e em outros países. A soberania de qualquer país deve ser respeitada. Por outro lado, é preciso ressaltar a existência de uma via de mão-dupla: qualquer Estado é responsável pela integridade e bem-estar de todos os cidadãos, inclusive daqueles que cometem crimes. Essas, portanto, são garantias invioláveis e que encontram respaldo na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Apesar de serem muitas vezes atropelados e ignorados, os direitos humanos prezam, em sua concepção após a 2ª Guerra Mundial, pela redução de tensões e conflitos políticos, sociais e econômicos e pela dignidade humana.
       Por isso, sempre que possível, a ressocialização deve ser a primeira opção considerada por qualquer governo no que se refere ao tratamento de detentos, a partir de melhoras que envolvam desde infraestrutura de presídios ao combate ao preconceito na sociedade em relação a ex-presidiários. Não é por conta da realidade caótica encontrada no Brasil e em tantos outros países sobre essa e outras questões que a falsa sensação de justiça baseada no "olho por olho" deve prevalecer. Executar um traficante não deixa de ser uma "solução" rápida, de menos custos e, em resumo, mais "fácil", mas é, acima de tudo, indigna para o Estado Indonésio, que se iguala, neste contexto, a quem comete um homicídio.
       A reação mais favorável do que contrária dos brasileiros às execuções de Marco Archer e Rodrigo Gularte constatada nas redes sociais é lamentável, porém, um reflexo da crescente revolta da grande parte da população com a violência, da impunidade e da corrupção que assolam o Brasil. Combater esses problemas é o nosso desafio; desafio esse que provavelmente também faz parte do dia-a-dia de mais 249 milhões de pessoas no outro lado do mundo. Do seu jeito, Indonésia está reconstruindo seus pilares democráticos, e a extinção da pena de morte é um passo decisivo para o país deixar no passado o século XX, marcado por uma cultura de violência nas suas instituições e na sua população.

*Saiba mais sobre o tema!


                                                        Mattheus Reis

2 comentários:

  1. Que grata surpresa, não sabia do blog.
    Gostei da escrita e do tom crítico incisivo. Acrescento que esse fomento da mídia e da política à globalização e pós-modernidade, não devem estar dissociados de uma nova construção de paradigmas jurídicos, de princípios norteadores direcionados ao bem-estar do homem. O etnocentrismo cultural, político e jurídico é sempre tema delicado, mas não menos rico e construtivo. Não faltam Tratados de Paz, faltam signatários DA PAZ.

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    1. Obrigado pelo apoio ao blog, Igor! Ele já está na web há bastante tempo, desde 2010, e cada semana, dez dias, tem um texto novo. Grande abraço!!

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